Capítulo 1

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A noite que Bananal Sangrou

As regras no colégio Santa Teresinha haviam tornando-se ainda mais severas depois do que foi exposto no que era pra ter sido apenas um trabalho escolar. Uma atividade em grupo revelou atrocidades da escravidão naquela cidade cometidas pelo Padre Paulo Lobo. As primeiras informações teriam vindo dá bisavó de uma delas, que apesar da idade continua sã, de que o verdadeiro terror de Terra Santa era o pároco. Segundo as informações Lobo solicitava aos donos de engenho locais algumas escravizadas como "doação" a igreja. Elas faziam tarefas domésticas na casa paroquial, mas também satisfaziam os desejos carnais e violentos do religioso. Pouquíssimas eram as meninas que sobreviviam, mas foi através dessas sobreviventes que a história espalhou-se pelas senzalas.

O que poucos sabiam na época é que Santa Teresinha Bananal era no interior do sudeste um foco de resistência a escravização. Abolicionistas e escravizados reuniam-se em segredo para conquistar a liberdade e igualdade para todo. Nesse grupo formou-se uma Guarda Negra, jovens guerreiros de diversas etnias colocados juntos pela escravização e que agora lutariam juntos contra ela. As mulheres também organizaram-se nas chamadas Damas Negras, descendentes de rainhas e sacerdotisas africanas. O que dizia-se era que tanto as Damas quanto os integrantes da guarda eram capazes de receber os espíritos de seus ancestrais. Uma das Damas hospedava em seu corpo Makeda, grande rainha ancestral de povos africanos que expulsariam. Era ela quem conduzia a cada uma das outras damas um espírito das vodunsis, sacerdotisas antigas, cujo o objetivo era conferir proteção espiritual a luta dos povos escravizados e punir aqueles que se voltassem contra os filhos da África. Makeda conduzia aos homens da Guarda Negra as almas de guerreiros de várias etnias que simbolizavam ali a superação de todas as rusgas dos povos escravizados em nome da liberdade. Durante essas sessões manifestavam-se também lobos de coloração avermelhada, menores que os lobos europeus e diferente de qualquer cachorro que houvesse na região.

Makeda avisava aos brancos dali que só não eram devorados por seus lobos de guerra pois eram marcados como "gwadenya", amigo. Cada um deles carregava um "dirama" uma pequena sacolinha de tecido do qual desconheciam o conteúdo, mas que garantiria que sobre eles a vingança não cairia. Aqueles homens de pele branca não acreditavam em todos aqueles rituais, mas respeitavam aquelas pessoas e carregavam suas "diramas" como símbolo daquela aliança para derrubarem a escravização.

A escola exigiu que os professores desmentissem tudo. Apenas um professor recusou-se, Rael, professor de história que em tempo recorde sofreu um processo disciplinar e a Secretaria de Educação de Bananal o afastou por tempo indeterminado. Rael não era daquela cidade, mas seu pai era nascido e criado ali. Conheceu a mãe numa viagem depois só teve notícias quando o pai morreu. Foi trabalhar lá em busca da própria história.

Os assuntos que não podiam ser discutidos na escola tinham lugar na praça. A maior parte do grupo que trouxe aqueles fatos a tona estava na praça, menos Adis Abeba, chamada de "Adís" por amigas e amigos. Ela foi quem teve o primeiro o contato com as histórias do passado através de sua bisavó.

—Quem dera vocês sempre demonstrassem esse entusiasmo dentro de sala de aula – disse o professor Rael ao grupo de alunos.

—Quem dera os assuntos da escola fossem sempre tão interessantes – respondeu um dos alunos.

Longe de se zangar o professor concordou. Rael tinha ido ali pois esperava saber mais de como aquelas informações foram conseguidas pelas jovens. Só ali ficou sabendo que a bisavó de Adisa Abeba tinha falecido e estava em casa com a família. Sabendo que seria muito inconveniente aparecer num velório para satisfazer sua curiosidade, resolveu ir até a igreja, onde poderia ter acesso a alguns dados sobre o Padre Paulo Lobo.

A igreja de Santa Teresinha, matriz da cidade, mantinha-se imponente mesmo com o passar dos séculos. Era ricamente decorada com peças douradas, esculturas de santos e pinturas que mostravam a paixão de cristo. No altar a imagem da santa a qual aquele templo era dedicado, com um livro e uma pena em suas mãos. As imagens religiosas eram bem típicas de outras igrejas da mesma época. O que chamava atenção mesmo eram as pinturas e até imagens do Padre Paulo Lobo. Faria sentido se ele fosse canonizado, mas parece que o culto a imagem daquele homem naquela cidade independia do Vaticano.

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⏰ Last updated: Nov 05, 2019 ⏰

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A noite que Bananal SangrouWhere stories live. Discover now