A CARTA

5 1 0
                                    


Os meses de julho e agosto foram cheios de surpresas, altos e baixos e confusões. Estava com tanta coisa na cabeça; o trabalho aumentou, mamãe piorou, já não tinha mais espaço na varanda para outra plantinha, o cara do parque que não me dizia nada e agora o retorno do meu pai ao mundo dos vivos.

Hesitei um bom tempo antes de abrir o envelope. As coisas estavam passando pela minha cabeça como uma montanha-russa. Comecei a andar em circulo pela sala, um frio na barriga, um aperto no peito, coração acelerado e eu já não tinha mais controle sob meu corpo. Acendi um cigarro, peguei o envelope e me sentei.

A carta estava escrita à mão, com uma letra perfeita, igual a primeira que havia recebido de meu pai. Corri até a escrivaninha para achá-la e compará-las. Sim, as letras eram idênticas.

A primeira carta veio com uma chave e essa veio com duas passagens e um convite. Senti um calafrio, comecei a suar e a respirar rápido. Minhas mãos estavam trêmulas e por um segundo achei que ia desmaiar. Então comecei a leitura.

"Querida Thalassa, gostaria de lhe pedir desculpas pela forma que estou fazendo contato. Imagino como você deve estar se sentindo agora e que, talvez, eu não esteja ajudando muito. Mas calma, você vai entender.

Sua mãe nunca te contou sobre mim e entendo, afinal eu fui canalha. Quando soube que estava grávida de você tentei me aproximar, mas ela nunca me perdoou.

Sem notícias sobre você, tentei te achar de todas as formas possíveis e que estavam ao meu alcance. Mas não conseguia.

Quando você fez 1 ano eu já não estava mais no país, o trabalho me promoveu e me transferiu para França, onde vivo hoje. Já fazem 26 anos de busca incessante, até que consegui te encontrar através de um amigo.

Quando ele confirmou que era você, pedi para que a empresa me deixasse passar uma semana aí em São Paulo, fiquei excitado e muito feliz de, finalmente, poder te conhecer. Mas nada saiu como planejado.

A mulher que meu amigo havia encontrado não era você e quase fui enganado. Foi então, quando ouvi dentro da empresa que nossos funcionários eram contratados por você, Thalassa.

Eu amo seu nome! Acredito que sua mãe tenha te chamado assim para te inspirar, já que Thalassa quer dizer mar em grego e ela sempre foi apaixonada pelo mar e seus segredos."

A carta não tinha acabado, mas precisava de um tempo para respirar. Que porra era aquilo que estava lendo? Parece mentira, algo impossível de se acreditar. Peguei meu celular e mandei mensagem para o número desconhecido:

"— Por favor, me diz quem você é. Se você for meu pai, por que está fazendo isso?"

A essa altura da noite meu maço já estava quase vazio, então decidi ir até a padaria comprar mais e dar um tempo naquela loucura toda. Comprei três maços de uma vez, pois um só não daria. Dali resolvi caminhar. As palavras daquela carta não saiam da minha cabeça. Fui até a estação e peguei o metrô sentido Av. Paulista. Era sábado a noite e eu precisava relaxar.

Lamentos inauditos de uma noite invertida, aquilo foi meu combustível. Desci na estação Trianon-MASP e fiquei no barzinho de sempre. O parque essa hora estava fechado, não era sexta e ele não estaria ali. Um sentimento de tristeza me consome da cabeça aos pés, então sentei-me numa mesa e pedi uma garrafa de cerveja.

Nada mais fazia sentido, e eu estava num bar sozinha, tentando digerir tudo e acompanhada apenas de uma cerveja. Essa era a parte de ser adulta e independente que mais amava, mesmo sendo incomodada por alguns caras de vez em quando.

Não me estendi muito ali, e após cinco garrafas de cerveja eu já estava bêbada. Liguei para Amanda, mas só chamou. Saí do bar e decidi ir para casa andando, ou até onde conseguisse ir. A noite estava agradável, nem quente nem fria, e estava bem movimentada. Ainda bem que meu tênis era confortável, pois cheguei na Brigadeiro sem perceber. Acendi um cigarro e peguei o celular para ver se tinha alguma mensagem. Nenhuma. Assim que coloquei dentro da bolsa ele começou a tocar, o número era restrito. Eu já estava cansada desse joguinho de esconde-esconde.

— Alô, quem é?

— É você que está andando em ziguezague, usando um casaco vermelho e o cabelo preso?

— Quem é você? Por que está me seguindo?

A resposta veio com uma risada.

— Calma! Provavelmente você não se lembra de ter me passado seu número ontem?

— O que? Como assim? Dá pra falar logo quem é!?

— Ok, eu falo. Mas antes você vai ter que parar e me esperar. Você anda rápido demais quando bebe, sabia?

— Não tem graça!

— Finalmente te alcancei, podemos desligar agora.

Meu Deus! Eu estava bêbada demais e estava vendo coisa. Não era possível, era ele de novo. Sinceramente? Naquele momento decretei ter perdido o controle da minha vida.

— Ei, qual foi?

— Vocês está me seguindo? Como sabia da festa? Como sabia que eu estava aqui? — Respondi de forma alterada

— Eu não sabia, foi pura coincidência. Como te disse, muita gente conhece seu amigo. Hoje foi o acaso que nos colocou no mesmo lugar.

— Que acaso hein! Me colocou justo com quem eu não sei como falar nem chamar — Eu disse

— A bebida te deixa muito agressiva, calma. Vamos parar ali, sentar e conversar?

— O que mais pode acontecer hoje? Vamos.

Meu senso de localização me dizia que eu não sabia onde estava. Era uma ou duas ruas pra baixo da Av. Paulista, na altura da Ana Rosa, então fiquei tranquila quanto a isso.

Fomos para um pequeno bar. Ele pediu uma dose de uísque pra si e uma gim e tônica para mim. Tomei só esse drink e parei, ele continuou. Fumei mais cigarros, e pelo bem da integridade dele, ainda bem que não se importou.

A prosa estava boa. Ríamos bastante, ele era engraçado e me mostrou ser alguém totalmente diferente daquele homem que aceitou ir comigo numa cafeteria dias atrás.

— Se eu soubesse que você era assim, tinha te chamado para tomar uns drinks ao invés de café.

— Assim como? — Ele perguntou rindo da minha cara.

— Engraçado. Gentil. Bom de papo. Nada de misterioso.

— Ah sim, esse sou eu. Prazer.

Fez um gesto estendendo a mão direita e abaixando a cabeça, como que me cumprimentando. Assenti com a cabeça também, e começamos a rir mais. Decidi que tomaria mais um drink e ele me acompanhou.

Por algumas horas esqueci de tudo que havia acontecido mais cedo e aproveitei esse momento. Mas o cansaço começou a bater e eu estava ficando desanimada.

— Putz! Meu celular descarregou, será que você pode pedir um Uber pra mim? Acho que já vou.

— Ah, já vai? Não quer estender a noite?

Ele passou a mão no meu cabelo e levou uma mecha para trás da orelha, senti um arrepio na espinha. Ainda continuou com a mão no meu rosto, dessa vez segurando meu queixo e olhando fixamente em meus olhos. Aquele sorriso, aqueles olhos, aquele cabelo, tudo que eu queria naquela hora era beijá-lo. Mas ao invés disso, recuei.

— É melhor eu ir para casa. Não quero te incomodar.

— Não está incomodando, estou te convidando a passar o resto da noite comigo.

— Ok. Eu fico com uma condição.

— Qual?

— Me diz seu nome.

— Ah! — ele riu — Meu nome é Leandro, muito prazer. Agora, senhorita, essa noite você é minha.

Ele não me beijou, não me segurou pela mão, não fez nada, apenas continuou com aquele sorriso largo e a mão em meu rosto. Eu? Bem, eu não sabia o que dizer nem o que sentia.

— Muito prazer, Leandro.

Um Infinito DesconhecidoWhere stories live. Discover now