Em um planeta muito, muito longe do nosso, ele está.
Enquanto eu durmo, ele está salvando vidas e atravessando galáxias.
Enquanto ele descansa, eu tento não dormir na aula de matemática do tempo da tarde.
Enquanto eu almoço, ele luta contra valentões intergalácticos.
Enquanto ele olha para o infinito, eu observo as estrelas.
Então, por um breve momento, sorrimos juntos.
Choramos juntos.
Sinto tanto sua falta, meu amor.
Dia 687.
Peguei minhas coisas e sai. Que frio desgraçado. A chuva e o vento dançavam juntos me descabelando e molhando toda minha roupa limpa. Segurei firme a sombrinha e corri até o ponto de ônibus que ficava do outro lado da rua do prédio onde morava. Os trovões gritavam avisando que aquela chuva só estava começando e que provavelmente o resto do dia seria totalmente cinzento. Ótimo. Entro no ônibus e coloco meus fones. Paul Anka, Put your head on my shoulder. Fecho meus olhos e suspiro.
Ele me abraçava, dançávamos lentamente o ritmo da música enquanto eu encostava minha cabeça no ombro dele. Nunca fomos muito de dançar, mas aquela era uma noite especial, era sua formatura. Ali era tão seguro, tão quente. As luzes roxas e vermelhas nos desligaram do mundo e tudo que podíamos ver era o vazio. Nada além de nós e Paul Anka.
A música para e o telefone toca. Acordo de meus sonhos matinais e atendo. É Alex, meu amigo e colega de trabalho.
- Bom dia, Au.- cumprimentou- me com a voz animada demais para aquele horário.
- Bom dia. – bocejei.- Alex, são seis e vinte da manhã, o que você ta me ligando?
- Ah , nada de mais, só vim desejar um bom dia ué...e, feliz aniversário.- Sua voz saiu tímida e imagino um sorriso enorme em seu rosto.
-Que dia é hoje?- Ouvi sua risada ecoar mais alta do que eu esperava.- É sério Alex.- Sua risada era muito contagiante, e não consegui conter o riso.
-22 de dezembro, sua boba! Não acredito que esqueceu do próprio aniversário!- Nem eu. Antes dele ir embora meu aniversário era a data que eu mais esperava no ano. Presentes, pessoas que eu amo me dando atenção e todos se reunindo com um sorriso no rosto.Hoje pra mim não é o dia 22 de dezembro, e sim o dia 687.
-Desculpa...-ri sem graça.- Ando tão avoada ultimamente que perdi a noção do tempo.
-É, eu sei bem...- Seu tom de voz voltou ao normal- Mas, Au, hoje é seu dia, o dia pra você pensar em você e em mais ninguém, ouviu?
Alex tinha razão. Ele sempre foi muito compreensivo e generoso, e sei dos sentimentos dele por mim, e ele sabe que nunca sentirei nada por ele. Meu coração está guardado anos-luz daqui. O dia , apesar de toda a chuva, seguiu divertido e muitas vezes me peguei prestando atenção no presente. Presentes, pessoas que amo me dando atenção e todos se reunindo com um sorriso no rosto. Foi incrível, eu confesso. Mas a falta dele ainda fazia, por um momento, aquela cena feliz ficar em câmera lenta enquanto seu rosto sorridente se formava entre a multidão.
Eu queria tanto que ele tivesse terminado comigo, talvez assim eu me forçaria a seguir em frente, mas quando ele se foi ele prometeu que voltaria e então eu estou presa nesta torre esperando pelo meu príncipe. Na verdade, apesar de alguns dias, como hoje, eu fique bem melancólica, ando muito feliz. Até porque depois de ele ir comecei a dar mais valor às pessoas ao meu redor, coisa que ele perdeu quando foi chamado para sua missão. Ele poder até estar sendo um herói agora, mas não imagino o quanto ele deve estar se sentindo solitário.
-22 de dezembro de 2084...nem acredito que já se passou tanto tempo assim.- Eu e Alex estávamos na minha varanda observando a vista enquanto bebíamos, todos os convidados do meu aniversário surpresa já tinham ido embora e em plena madrugada as luzes da cidade eram as únicas que se podiam ver, apesar de eu me esforçar para achar uma única estrela no céu.
-Ah, 21 anos nem é tanto tempo assim.
-Sabe que eu não estou falando disso, Alex- Senti seu olhar sobre mim. Ele se aproximou e nossos ombros se colaram.
-Quando você vai superar tudo isso, Au? Faz mais de dois anos e você sabe que é muito difícil um soldado espacial sobre-
-Não ouse dizer isso, Alex!- Agora era eu quem me aproximava, encarando-o com os olhos cheios de lágrimas. Seu eu não estivesse bêbada já teria mandado ele ir embora há muito tempo. – Ele prometeu...prometeu que voltaria, nem que fosse só pra me ver por um último segundo, mas voltaria...ele sempre cumpre as promessas dele...- Eu já soluçava e estava incapaz de dizer mais alguma coisa. Minha nossa, que vergonha.
-Ele te prometeu pra isso? Pra você ser infeliz todo o tempo que ele estará longe? Acha mesmo que se ele estivesse aqui agora gostaria de ver todo esse estrago que ele fez em você? Eu sei o quanto vocês se amavam, Aurora, eu via todos os dias o amor genuíno de vocês...Eu via...- Agora ele quem chorava tentando conter ao máximo, o que era estranho pois nunca o vi chorar.- Mas, se eu fosse ele, queria no mínimo ir sabendo que quem eu amo está bem, e não destruindo a própria vida por minha culpa.
Ele segurou meu ombros.- Você não entende, Aurora? Eu te amo, e eu tô aqui. Não acaba com a sua vida resumindo ela em dias de espera, não se prende a esse amor do passado, Aurora, por favor, seja feliz, por favor...- Ele se aproximou tanto que nossos narizes se tocaram e a nossa respiração se tornou uma.- Me dá essa chance.
-Eu não posso,Alex...
Em um planeta muito, muito longe do meu, eu estava.
Enquanto ela vivia, eu estava tentando sobreviver e atravessando galáxias.
Enquanto eu descansava, ela estudava para ser uma grande arquiteta.
Enquanto eu quase morria, ela cantava e dançava no nosso bar preferido.
Enquanto eu olhava para o vazio do infinito, ela observava as estrelas.
Então, por um breve momento, sorrimos juntos.
Choramos juntos.
Sinto tanto sua falta, meu amor.
Depois de Alex ter ido embora, volto para a varanda, ainda processando tudo que havia passado. Ali, vejo um vulto de um homem que se desfaz entre as árvores do parque e some rapidamente diante do meu olhar curioso. Então percebo que no ponto de ônibus havia algo jogado no chão, como se tivesse sido esquecido possivelmente por aquele estranho homem. Era um celular antigo e dele ecoava uma música familiar.
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Sabe onde fica a saída?
Short StoryA porta é logo ali embaixo. Pequenas histórias para sair do mundo nem que seja por um dia só.