Capítulo Único

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Eu ainda me lembro da primeira vez que nossos olhares se cruzaram. Foi naquela praça, estávamos com amigos em comum, você me cumprimentou com aquele seu sorriso torto e galante que eu detestei logo de cara. Eu respondi seu cumprimento fazendo pouco caso da sua gentileza. É as vezes eu posso ser fria sem perceber, mas aquilo não te abalou você sorriu ainda mais e ficou no meu pé, tentando me fazer sorrir o rolê todo. E você conseguiu. Arrancou mais sorrisos de mim em uma noite do que provavelmente eu dei o ano todo. Você fez piadas meia boca, fez malabarismo com garrafas, elogiou meu cabelo...

Quando nos despedimos você me pediu meu número, como boa desconfiada que sou eu disse que ainda não. Você não se abalou, colocou o cigarro nos lábios e acendeu.  Sorriu pra mim e disse que descobriria então, e que mandaria mensagem. Eu bufei porque te achei muito insistente e também odiava caras que fumam. Bom, eu achava que odiava.

Naquele dia quando eu fui dormir eu sorri sozinha, deitada na minha cama. Você tinha um maldito sorriso certinho, seus olhos verdes eram como floresta e seus cabelos pretos eram muito revoltosos como um mar à noite. Um único encontro e você me arrebatou, você era magnético mesmo, cheio de opiniões fortes pra coisas que eu nunca tinha nem pensado, cheio de artimanhas pra conseguir o que queria. Você me queria naquela noite, D. ? Por quê o tempo passou e eu cheguei a conclusão de que eu já era sua naquele dia.

Você descobriu mesmo meu número! Não mandou nenhuma mensagem por uma semana, só músicas, todos os dias uma diferente. Mas a primeira eu nunca vou esquecer. Era Love of my life da banda Queen e adivinha? Queen sempre foi minha banda favorita. Ainda é e continuará sendo. Mas... como você sabia? Não sabia, não é? Foi um golpe de sorte, você era mesmo um sortudo, em vários aspectos eu diria. Enfim, depois disso nós conversamos, saímos, bebemos. Você me salvou de um louco-jogador-de-ecstasy-no-copo-dos-outros mas sabe, naquele dia eu também descobrir coisas sobre você.

Aquele cara era seu amigo, aquele ecstasy era o negócio de vocês, e descobri também que pelo jeito que aquele cara me olhou eu ele não era só seu amigo. Eu não era cega, como eu disse você sempre foi uma pessoa magnética, eu não fiquei surpresa e também não te julguei. Você me levou pra sua casa naquele dia, não era uma casa de fato né? Mas era sua cara morar na dispensa do segundo andar do pub do seu pai, era um lugar que exalava você em todas as nuances, acho que era sua aura de guitarrista, sua bagunça não parecia bagunça, seus livros, CDs, LPs, instrumentos, e roupas jogados naquele espaço pequeno era abrasador. Nós não compartilhamos a cama naquela noite, você dormiu no chão mas passou a noite segurando minha mão. Você deve ter achado que eu estava dormindo, mas na verdade eu estava em pânico, minha barriga dava voltas só de pensar que eu estava na sua cama, e pior, de pensar na coisas que eu queria que você fizesse comigo ali. 

Depois daquele dia já éramos praticamente íntimos. Você que disse. Continuamos conversando, as músicas ainda chegavam, você ainda me fazia sorrir. Meses se passaram, eu acho, tudo com você era tão intenso que minha percepção de tempo quando estávamos juntos era diferente. A essa altura já conheciamos nossos segredos, você sabia dos meus medos e dramas. E eu dos seus, que pra falar a verdade eram bem mais... intensos que os meus. D, você era um bomba relógio esperando a contagem regressiva findar pra explodir, eu percebi isso quando você caiu.

Era inverno, eu não tive noticias suas por duas semanas, eu sabia que você tinha voltado a se droga e a transar com aquelas pessoas do pub. Eu vi como aqueles caras olharam pra mim, como aquela garota, a sua ex, cochichava com as amigas sobre as cosias que você andava fazendo. Eu tive medo por você, andar por caminhos escuros não nos deixa ver os buracos à nossa frente. 

Bem, aconteceu o quê eu temia, você caiu num desses buracos. Você me ligou de madrugada, eu nunca tinha te ouvido chorar antes, mas cortou meu coração, suas lágrimas eram dor, dor da mais profunda. Eu sai e fui te buscar, você estava destruído, eu me perguntei porque você tinha feito isso consigo mesmo. Eu te dei banho, cuidei das suas feridas externas, e te protegi da ira do seu pai enquanto você não podia se defender. Quando você voltou, você não era mais você, D. 

Só tinha pedaços do que um dia você foi, eu tentei juntar. E consegui por um tempo. Nós fodemos quando você estava fora de si, mas fizemos amor nos intervalos cada vez mais curto de tempo que o você que eu conheci estava ao meu lado.

O tempo passou voando, como sempre passava quando eu estava ao seu lado. Cada dia eu reparava em algo diferente em você, uma narca de agulha no braço, olheiras mais fundas, um pouco de rispidez na voz. Você nunca me machucou fisicamente D. Mas me machucou na alma. Logo onde não se pode curar.

Te ver definhar no seu vício matou parte de mim.

Você me mandou embora, eu chorei quando você disse que me amava e eu não respondi. Eu estava com muita raiva, de você por não me deixar te ajudar. E de mim mesma por não conseguir dizer que eu te amava também. Bom, eu fu embora como você queria, mas nunca te deixei, pedi ajuda aos seu melhor amigo, ele moveu mundos pra tentar te ajudar quando seus outros 'amigos' te chutaram como lixo.

Você sumiu por um mês.

E quando tive notícias suas foi com uma super nova. 

Seu irmão me ligou, disse que viu nossas mensagens e me achou alguém importante o suficiente na sua vida ora merecer saber o que tinha acontecido com você. 

No fim das contas D. O quê eu mais temia aconteceu. Você deixou seu vício te levar pra tão fundo na escuridão que você nunca mais encontrou a luz no seu caminho. 

Você me deixou, quando prometeu ficar comigo, me afastou quando eu tentei te ajudar. Eu entendi seus motivos, você já sabia o quê ia acontecer. Era isso que você queria que acontecesse no fundo, eu sabia mas não parava de negar. Você morreu como tanto fez por onde. 

Agora eu estou quebrada. Irremediavelmente quebrada pra sempre. Eu te amei. Ainda amo. Muito. 

As vezes dói tanto sentir sua falta que eu queria não ter te conhecido, D.

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⏰ Última atualização: Nov 09, 2019 ⏰

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