Capítulo 1: Nicolas

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Paredes se fechando, o medo se apropriando de mim, vozes tomando conta da minha cabeça: essa era a sensação que tinha ao ter meu terceiro ataque de pânico no dia.
Nada estava certo. Minha mãe passava mal, minha nota na prova de química havia sido 7,5 e minhas relações com o resto da escola não era das melhores.
Fugi pelos corredores do colégio até achar o banheiro masculino mais próximo, onde poderia me encolher e chorar pelo tempo que quisesse, estampar um rosto neutro logo depois e sair, como se nada tivesse acontecido. Encontrei um e entrei na última cabine. Comecei a pensar. Tudo veio ao mesmo tempo, e também, nada.
Minha mãe. Ela precisava de repouso e não o teria se eu não conseguisse cuidar de Carol e de mim. Minhas notas sempre foram boas, mas haviam decaído. Algo estava errado. Erros não são permitidos. Fora que a escola toda me rejeita. Sou o estranho, o excluído, o garoto-fantasma.
Volto a realidade. Uma lágrima teimosa e silenciosa escorre pelo meu rosto. E, apesar da minha luta, ela é o início de uma cachoeira de lágrimas. Todas iguais: rápidas e silenciosas. Meu mundo, suspenso por fios, desaba mais um pouco. Sou apenas um garoto de papel, em uma cidade de papel, lutando para não perder seus fiozinhos e sua sanidade.
Eu perco o controle total de meu espaço e silêncio. Me revolto contra as paredes e passo a gritar; talvez por ajuda, talvez por misericórdia. Não me importa se irão me ouvir. Não importa se irão me estranhar. Já me odeiam de todas as formas. Então eu ouço. O girar da trança do banheiro. Percebo que já não estou mais na cabine, e sim desabado no chão, me sentindo tão cansado a ponto de poder desmaiar ali mesmo. Ele entra e eu o vejo. Guilherme Azevedo Piado Díaz, o capitão do time de futebol. Ele me vê naquela situação, largado no chão, a beira das lagrimas, com o rosto vermelho e agora com a cara de surpresa mais ridícula de todas.
Por algum motivo que desconheço, coro. Ele me encara por um momento e depois da nossa surpresa, ele resolve que tem que me ajudar.
— Você está bem? O que aconteceu?
— Eu estou bem — respondo mal humorado e me levanto — Agora estou indo.
— E-Ei. Espere. Você estava chorando no chão do banheiro, além de que, antes de eu entrar estava berrando como um louco.
Aí eu percebo o quão essa situação toda era ridícula e que eu nem devia estar aqui. Meu pai vai me matar. Resolvo por a culpa toda no ataque e fugir.
— Eu estava tendo um ataque de pânico, tá legal? Agora me deixa em paz.
Ele assente, hesitante, e me da passagem. Saio do banheiro com o passo apressado, quase correndo. Tenho que ir para a casa, cuidar de Carol e da mamãe. Saio pelos portões da escola e começo a pensar mais claramente no que aconteceu. Eu surtei. Perdi o controle de novo. Nota mental: ISSO NÃO PODE ACONTECER. Guilherme entrou no banheiro e tentou me ajudar. Depois de ter uma breve argumentação comigo mesmo a respeito do porquê disso concluo que foi só uma questão de formalidades e imagens. Eles não se importam comigo de verdade. Só uma questão de mostrar o quão fodas eles são.
Penso tanto que nem percebo que passei o portão de minha casa. Volto e, antes de entrar e enfrentar a situação de sempre, me reservo uns momentos para observar as flores que desabotoarão com a chegada da primavera e a pintura gasta das paredes. Suspiro e entro. A mesma sala bagunçada de sempre. Meu pai não está em casa. Lado bom: ele não vai me bater agora, sóbrio. Lado ruim: vai me bater mais tarde, bêbado. Carol ainda está na escola e irá na casa de uma amiga. Voltará mais tarde. Subo os degraus e vou para o quarto de minha mãe, onde ela se encontra deitada na cama. Me aproximo, vejo que ela está dormindo e não a acordo. A deixo dormir, já que virou uma coisa rara desde o acidente. Me dirijo ao meu quarto. Não há nada demais nele: apenas alguns livros, umas almofadas no chão e na cama, uma constelação no teto. Tento distrair a cabeça com um livro qualquer mas não funciona. Resolvo tomar um banho. Assim que termino, faço um resumo para a prova de física que teria no dia seguinte, cantarolando "Happier". Ouço um barulho no andar de baixo e verifico o relógio do celular. Ele chegou. Está cedo para ser Carol. Ela chega por volta das 21:00. São 19:00. Tranco a porta do quarto de mamãe e desço para recebê-lo, mesmo sabendo que ele irá me tratar mal, mas tenho que garantir que ele não suba as escadas e a acorde.
— Bem-vindo, pai. — eu o observo. Claramente está bêbado.
— O que você está fazendo aqui? — ele diz, se aproximando de mim.
— Estou na minha casa, estudando, como sempre.
Ele vem se aproximando de mim e eu, acostumado com essa situação, já me recuo para perto das escadas. Como já havia trancado o quarto de minha mãe, poderia correr direto para o meu. Mas dessa vez cometi outro erro. Quando ele me atacou, não deixei ele me segurar e não tentei me defender(a tática é fugir), mas ele se jogou em cima de mim e me bateu duas vezes, até que caiu sem forças pra trás. Não perdi a chance e fugi para meu quarto, mas não sem antes deixar um bilhete para Carol fora de casa dizendo: "Entre de mansinho e vá direto para seu quarto. PS: tranque a porta".
Eu vou para o meu quarto e lá, com meus fones no ouvido e o volume no máximo, já de pijama, me sento na cama e olho os meus pulsos, marcados por mim mesmo. Meu maior medo nunca foi meu pai. Não mesmo. Sempre foi que eu me tornasse algo pior. E isso é completamente possível. Com essa conclusão, eu me deito e espero em uma tentativa falha de dormir, o amanhecer.

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