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tebas, capital do egito antigo, 2050 a.C.

Kim Jongin era um espírito, assim como todos os outros eram no início, na verdade.

Ele valorizava, sobretudo, o hbij, termo que seu povo havia encontrado para designar o dançar e estar feliz ao mesmo tempo. De fato, Kim despendida o seu tempo quase em sua totalidade no firmamento. A paixão entretanto, se sobrepunha a introspecção em cerimônias do culto ou festivais. Vinha aos festejos sempre que os arpejos subiam aos céus e se divertia com as crianças ritmando os pequenos passos em torno dos templos - porém desse mesmo lugar, surgiria a ruína do anjo-.

Os mesmos templos que eram planos de fundo para as grandes festas aos egípcios também recebiam inúmeras visitas e oferendas em nome de Bes e de Hathor. A segunda arte era comumente associada aos dois nomes.
Espíritos mais velhos, mais influentes e que constantemente, atraiam os holofotes para si por iniquidade. Não devia ser assim, Kim Jongin pensava. Eles sequer visitam as comemorações! Eles nunca dançaram no meio de uma roda, mesmo que ninguém pudesse os enxergar, apenas para se sentirem vivos por alguns minutos diante da eternidade.

Em certo tempo, com a nova ascenção de faraós e as conquistas territoriais, todos parecia viver os melhores dias de suas vidas. Bebiam, farreavam, ofertavam. Mas não havia tempo para pensar em deuses menores, certo? Após a Baixa Idade Egípcia, os momentos de prosperidade evocavam na população a urgência de viver. Gradualmente, espíritos menores foram sendo esquecidos em meio ao turbilhão de euforia da cidade.

Se estavam todos felizes, Jongin não podia estar mais desgostoso. Sempre estivera ali nos momentos mais felizes dos jovens, bailarinos e fiéis. Gostava das festas, e sobretudo, de aproveitá-las com seus devotos. Mas esqueceram dele. As oferendas diminuíram até se tornarem irrisórias. Não lembrava, sequer, o gosto da cerveja a qual lhe dedicavam anos atrás. Lidar com a indiferença mudou coisas dentro de si. Talvez tivesse ficado mais obscuro, mas era o que precisava fazer. Não podiam lhe julgar por isso, certo?

Começou de forma sutil. Os outros tinham demais, e não iam notar caso coisa ou outra faltasse em meio aos seus altares. Mas queria cada vez mais. A medida que era esquecido, roubava e bebia mais. Mas o céu agracia tanto quanto castiga, e em milênios, foi a primeira vez que a conduta foi ignorada em benefício próprio. Claro, aquela altura não sabiam o que fazer com Jongin. Havia ficado no purgatório enquanto os arcanjos deliberavam. Daí nasceu o primeiro ritual.

Kim desceu a um lugar escuro e andava descalço no chão molhado. Tateava o caminho, se sentindo renegado, e lágrimas de raiva escorriam pesadas e silenciosas no rosto. Não deveria ser assim, não deveria...

Pareceram decorrer milênios no breu sufocante da sala minúscula. Talvez tivessem até se passado. O tempo metafísico funciona de forma diferente do dos humanos. Num estalo repentinoso, uma luz branca riscou o chão. Círculos e glifos em demasiada clareza marcavam toda a superfície e a visão do espírito se focava aos poucos na imagem formada sob seus pés: um pentagrama. Nesse momento, Jongin já respirava tão pesado que poderia jurar sentir as costelas se separando cada vez que expulsava o ar dos pulmões de forma dolorida, quase como se queimasse.

Caiu de joelhos, levou a palma da mão ao centro da estrela. Enfim, o anjo espirituoso se tornara primeiro demônio capital do qual se tem notícia.

Alguns podem dizer que virou um vício luxuoso ou abuso de poder, mas desde então, os anjos jamais pararam de expulsar almas castas da paz das nuvens.

Kai: Primeiro Demônio Capital, Gula

Gula é o desejo insaciável, além do necessário, em geral por comida, bebida.

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⏰ Última atualização: May 22, 2022 ⏰

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