two lives and one dead girl

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minha avó acha que me chamo hyun seunghee, mas sorrio feito boba e tento enxergar uma razão para suas doces certezas. acabo concluindo que seu cérebro é plastificado e se deteriora aos poucos, diferente de mim, culpada por carregar um prisma colorido de duas toneladas e meia.

é tão difícil não perder o passo e o tempo, porque vendi meu compasso. na verdade o troquei por amores à primeira vista e um pedaço de cd que encontrei no ferro velho. é onde meu primo trabalha e ele encontra muitas besteiras interessantes por lá. lembro de uma vez que presenteei yewon com o tubo de um gramofone antigo encaixado em um canudo inox e um copo de plástico roxo, por ironia. ela adorou como se valesse milhões, então não me importei de jogar na privada o colar que havia lhe comprado para pedi-la em casamento. arin era tão nova e nosso romance durava há tão pouco tempo, mas eu tinha a certeza de que sua pele jamais iria virar cera para ser exposta como manequim rejeitado em vitrine. a minha vida era essa porcaria, morando em um trailer aos fundos de toda aquela tralha amontoada, mas ainda assim ela fazia questão de me visitar com uma sacola de pão e um cd alugado para passarmos a tarde juntas.

não foi tão difícil encontrar algumas contas soltas espalhadas por ali. muitas pessoas costumavam comprar bijuterias baratas que quebravam com facilidade. isso era uma burrice delas que se transformava na minha inteligência. não hesitei em recolher todas das mais diversas que encontrei e fiz destas os adereços da parte interna e externa do que seria uma bela e pequena boina para arin. seu cabelo sempre solto combinava com todo o tipo de adereço e por isso meu coração aqueceu em satisfação assim que seu sorriso chegou aos meus ternos sentimentos, usando a boina com elegância e um vestido de noiva feito pelos alfaiates da vizinhança. ela estava linda como nunca poderia merecer.

aqueles tempos foram preciosos. cada conta escorre pelo meu corpo como um aviso distante por ter perdido tanto tempo construindo um compasso que desenhasse um novo circulo de um ciclo com perfeição, mas minhas mãos nunca foram boas em tocar o desconhecido. estava ocupada demais com os restos e todas as coisas que desencantei, presa em um trailer de fim de mundo escutando as latas do meu primo rolarem do lado de fora e acertar o gol improvisado.

choi yewon e sua futura esposa, choi seunghee.

vovó não aprendeu meu nome até hoje. ela nunca disse uma palavra sequer quando a visitava no cemitério, por mais que eu mesma deixava escapar um "hyun" ou outro. ela nunca me corrigiu e eu achava muito estranho todas as memórias substanciais que tinha de minha velha dizendo que o amor era e sempre vai ser a coisa mais poderosa do mundo.

quando arin faleceu, a enterrei do lado de vovó e errei meu nome de propósito.

mas ela também não corrigiu.

𝖙𝖆𝖓𝖆𝖙𝖔𝖋𝖔𝖇𝖎𝖆: 𝖒𝖊𝖉𝖔 𝖊𝖝𝖈𝖊𝖘𝖘𝖎𝖛𝖔 𝖉𝖆 𝖒𝖔𝖗𝖙𝖊

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