cap. 1

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Após três anos na mesma cidade, no mesmo bairro e na mesma casa, confesso que foi mais difícil do que pensei deixar a América Central e me mudar para a Europa.
Mas foi, de certa forma, necessário. Sério. Eu não aguentava mais me sentir um peixe fora d'água todos os dias.
Não que eu estivesse reclamando de ser uma garota bronzeada de cachos negros longos e pé descalço. Pelo contrário, eu era totalmente o inverso das pessoas da minha cidade: cabelo loiro, magra, 1,63 de altura com a pele branca feito chantilly.

Eu morava em uma casa de classe média perto da praia junto com minha mãe e... meu... o cara que se dizia namorado dela.

   Um dia estávamos jantando nos três na mesa da cozinha. Minha mãe havia preparado almôndegas ao molho branco. O prato preferido do seu cônjuge.
Eu odiava aquele cara. Sério. A primeira pessoa digna do meu maior ódio supremo.
Sempre me tratava como uma concubina mal olhada. Haviam dias em que ele me encarava por tanto tempo me estudando que eu pensava ser um rato de laboratório atraente aos olhos de um bêbado.
  
   Eu não conversava muito com ele, somente quando era extremamente necessário tipo responder se eu estava precisando de remédios ou preservativos. O que me fazia odiá-lo mais ainda.
Minha mãe sempre soube que ele era assim, mas nunca teve coragem de encará-lo e botá-lo pra fora de casa. Mas o problema era que a casa em si não nos pertencia. Era tudo dele naquele ambiente. Desde a escova de dente até o gramado do lado de fora. Por isso eu passei anos da minha adolescência sofrendo com medo de ser explorada por um tarado a qualquer momento.
"Espere, querida. O DIA está chegando" era o que minha mãe dizia sempre que me via chorando em algum canto.
  
   Há alguns meses, eu e minha mãe passamos a economizar em gastos pessoais e guardar o dinheiro escondidas dele. Esse dinheiro iria servir para pagarmos nossas passagens, só de ida, para fora do país.
Estávamos esperando para juntar o suficiente para alugar um quarto quando nos mudássemos e estivéssemos sem onde ficar. Mas aquela tarde de verão, aquela maldita quarta-feira de 13 de novembro... eu decidi não esperar mais.
  
   Eu estava no sofá, assistindo à seriados de comédia quando ele entrou pela porta bêbado e começou a implicar comigo. Já acostumada com as provocações, eu apenas o ignorei resmungar. Mas ele estava mais alterado do que em qualquer dia, olhou pra mim como se desejasse me cortar ao meio com uma motosserra. Começou a me xingar de coisas que me recuso a lembrar. Então começamos a discutir. Depois de um tempo de gritaria, ele ameaçou a me agarrar e levar para o quarto. Eu comecei a gritar por ajuda.

   Estávamos sozinhos em casa. Minha mãe havia ido ao supermercado e ainda não tinha voltado.
Ele começou então a correr atrás de mim. Eu subi as escadas e me tranquei no meu quarto. Pensei em pular a janela mas ela tinha grades de seguranças.
Ele começou a gritar do outro lado, depois a esmurrar a porta frágil de madeira. Comecei a chorar de desespero e pensei ser aquele o meu fim.
Fechei meus olhos e esperei que aquele pesadelo passar logo. Mesmo que pra isso eu tivesse de morrer logo. Só queria que aquilo parasse.
Num barulho estrondoso, a porta antes tão firme na parede estava estilhaçada no chão.
O medo começou a percorrer por todo o meu corpo. Perdi minhas forças aos poucos quando ele se aproximou de mim e agarrou minha garganta com força, quase me tirando do chão apenas com as mãos.
   Estava escuro no quarto, mas pude ver bem os olhos dele que me queimavam como se fossem chamas do inferno e ele fosse o próprio demônio em pessoa.
Já estava quase inconsciente quando de repente cai no chão. E ele ao meu lado .
   Olhei para o chão e vi sangue. Pensava de onde aquele sangue tinha surgido. Inundando o meu quarto cada vez mais.
   Quando levantei a cabeça incrédula, vi minha mãe em pé na minha frente. Ela estava segurando um troféu, estava sujo de sangue também.
    Ela se abaixou e me abraçou. Disse que precisávamos sair de lá antes que ele acordasse. Eu suspeitei que isso não poderia acontecer mais. Mas não fiz nenhum comentário sobre.
  " É hoje Ana. Esse é o DIA " Ela me falou.
Eu afirmei com a cabeça e nos levantamos do chão.
  
   Depois de uns dez minutos já estávamos saindo da casa. Apenas com mochilas e nossas malas tamanho médio levando apenas o necessário; Roupas, documentos e dinheiro.
 
     Embarcamos naquela mesma noite. Mamãe disse que havia ligado para nossa tia que mora na Inglaterra e pedido para ficarmos na casa dela por alguns dias.

- Inglaterra?!

- Sim. Eu sei que é longe, mas é um lugar maravilhoso.

- Poxa

- Sinto muito por isso. - Ela disse secando as lágrimas que escorriam no seu rosto. - Por fazer você passar por isso.

- Tudo bem. Desde que eu esteja com você e longe dele, qualquer lugar será bom.

  Abracei ela e partimos.

  - Acho que vai gostar da Europa. - minha mãe disse quando cruzávamos  o continente.

  - É. Acho que o frio vai ser legal.

                    
                                 ~~~
                            

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⏰ Última atualização: Nov 25, 2019 ⏰

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