O Advento das Lendas

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Era uma era de lendas. Lendas vivas em um mundo morto em trevas.

Havia um homem, poderoso em batalhas; homem de guerras, que aprendeu que não necessitava de armas letais para ferir os seus adversários na luta de suas guerras. Suas armas letais eram a sua coragem, seu próprio corpo, e a sua inteligência e sabedoria em campo de batalha e fora dele. A única coisa da qual precisava empunhar era um escudo, pois seu coração era bondoso demais - e em um mundo de trevas, corações bondosos sofrem ameaças iminentes de constantes ataques. Seu coração era a sua força e precisava ser protegido.

Pensavam que era imortal, mas, em uma terra longíqua, foi abatido por um inimigo mortal do qual nao se conhecia devido aos misterios dessa terra longínqua em que se encontrava. Nunca mais foi encontrado. Mas, anos após o reino desta terra em que foi abatido cair, ele ressuscita misteriosa e milagrosamente, como um ato de reconhecimento da Divindade sobre os atos heroicos do mesmo. Ainda com sede por luta, por ter morrido sem ver os que o abateram caírem, ele segue pela terra, sem rumo, sem pátria a pertencer, apenas buscando por lutas justas para travar. Por ter desaparecido em terras frias do alto dos países europeus em derredor da Germânia, ficou conhecido como Freiheit, "a liberdade". Pois um homem sem rumo, sem pátria, vivendo apenas pelos seus próprios ideais e pela sua moral (diziam os que passaram a conhecer em suas lutas), certamente é um homem livre.

Em uma dessas peregrinações, ele se encontra com Anger; sacerdote justo, apesar de menosprezado pelas demais autoridades religiosas pelo seu nome fazer alusão a um pecado (a Raiva). Nome que infelizmente havia sido dado a ele por um mero e leviano engano: era para ser Angel - se sua mãe não tivesse morrido antes de terminar o nome e seu pai não tivesse, coincidentemente, se amargurado profundamente com o ocorrido ao ponto de pôr em filho o nome de seu sentimento (para nunca se esquecer do dia em que perdeu sua amada).

Isso, em um mundo de trevas mentais que abrem as portas à superstição, era um bom motivo para que muitos vissem a sua presença como agourenta.

Justificado por um sentimento não apenas de não-pertencimento, mas também de dever justo de se opor às autoridades religiosas de seu tempo ao ver o declínio constante da moral e da justiça vindo da Eclesia à qual fazia parte ele e seus conterrâneos, fundou uma sociedade secreta que visou trazer à tona a justiça, a bondade e o conhecimento de volta ao mundo, por debaixo dos panos da realidade histórica que nos é contada por estar mais em evidência. Um ato revolucionário contra as ditaduras das trevas na consciência humana, antes mesmo dos adventos da Reforma Protestante e do Iluminismo - que diga-se de passagem, só foram possíveis de fato devido às investidas dessa organização nos bastidores do teatro existencial da história.

Como forma de validar seu movimento através de figuras notáveis, virtuosas e intelectuais, convocou junto a si um grupo de amigos e aliados que conviviam com ele em seu período de exílio e trabalho sacerdotal e compactuavam com seus ideais e suas ideias de um mundo razoavelmente melhor. Estavam entre eles outros sacerdotes, bispos, autoridades bélicas e militares, e, especialmente, filósofos, estrategistas e alquimistas. A grande estratégia era a de trazer a si uma horda de pessoas que, além de adeptas de sua subversão, fossem também uma mistura entre loucura, genialidade e moralidade. E deu certo.

Um dos mais notáveis acréscimos foi um alquimista recluso, que também tinha o ofício de ferreiro, e foi extremamente útil na construção de aparatos bélicos, armas, armaduras, máquinas de combate e outros instrumentos que pudessem ser usados para os fins e propósitos dessa sociedade secreta. Sem nome oficial e definitivo, seus pseudônimos alternavam entre as regiões em que era conhecido. Nos países que já foram helenizados, chamavam-no de Sidirou (ferro, em grego); para povos pagãos e hereges dissidentes de antigas seitas semitas e mediterrâneas, perambulantes pelo mundo, era conhecido como Kotar (deus canaanita da metalurgia e dos encantamentos. Uma alcunha um tanto apropriada para um ferreiro-alquimista).
Mas, o nome que mais se espalhou foi o designado entre os antigos habitantes dos países da Grande Ilha britânica: Unheart, ou o Sem-Coração. Não por talvez ser cruel ou maldoso, ou ser alguém sem piedade, mas sim por ser frio, calculista, extremamente estratégico, muitas vezes até utilitarista e maquiavélico, porém, sem usar de meios imorais para chegar a fins morais. Suas emoções eram frias em boa parte do tempo, o que gerava bons resultados - e muitas intrigas por onde passava também, já que em uma sociedade altamente inserida em uma hipocrisia religiosa e moral, a aparência de agradabilidade era algo muito relevante e valorizado. Porém, não era nada disso para ele.

E assim, Anger, o Sacerdote Justo, reune em sua horda de subversivos dois antagonistas que se reunem por um bem comum: Freiheit e Kotar; respectivamente, o Coração e a Razão.

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