Ao longo da História quantos idiotas não foram alçados ao posto de rei só porque eram os primogênitos da família?
Quando diversas monarquias foram restabelecidas no Planeta Terra na metade do século XXII, logo surgiu esse questionamento entre especialistas. Então, em um esforço de retomar as tradições sem repetir os erros do passado, instaurou-se um novo processo para decidir a sucessão real.
Houve quem defendesse que novos reais fossem cidadãos aleatórios, escolhidos por meio de processo, mas essa ideia não vingou. A que de fato se tornou realidade foi a criação de uma comissão composta pelas maiores autoridades em genética do país. Aproveitando os benefícios da ciência, novos reis e rainhas deveriam ser escolhidos por sua capacidade potencial, e não pela ordem de nascimento.
Mas as instituições foram realmente testadas logo após o falecimento do Rei Enzo II, cujo estado de saúde cambaleante já era sabido de toda a imprensa. Algumas horas depois do anúncio oficial lá estavam os dois mais reconhecidos geneticistas do país segurando os exames de seus três filhos, em pastas não identificadas. Cecília começou a sessão:
- Pois bem, eu vejo aqui que a pessoa da pasta número 1 tem a melhor saúde em potencial. Ausência de genes ligados ao câncer, problemas cardíacos e diabetes. Nós não precisamos de mais um rei que fique pouco tempo no trono, precisamos Marcelo?
- Com certeza não minha cara Cecília, mas veja bem...embora viva menos, a pessoa da pasta número 3 é um pouco mais inteligente. Provável facilidade tanto em humanas quanto exatas. E se for apresentada ao piano desde cedo pode desenvolver um talento único. A gente sabe que nesse século um monarca também deve ser um entertainer, não é mesmo?
- É...não precisamos de outro rei passando vergonha como influenciador digital. Mas, veja bem, a pessoa da pasta número 1 não é exatamente burra. Embora ela tenha um intelecto potencialmente menos completo, sua facilidade com línguas pode ser um ativo interessante. Reis e rainhas devem se comunicar bem com seus pares.
- Ok. Vamos dar uma olhada nas origens? A pasta número 1 tem 15% de genética ameríndia. O público mais conservador vai odiar, mas a imprensa, que é progressista, tende a olhar monarcas de genética diversa com mais empatia. O que acha?
- Com 15% já dá para anunciar a nossa primeira rainha indígena? Qual o mínimo de carga genética para alguém ter lugar de gene?
- Não sei. Precisamos consultar a comissão de justiça social para saber o que eles decidiram. Enquanto isso, damos uma olhada em outro fator. Tendências políticas. A pasta número 3 aponta uma genética que tende mais a direita. E a número 1?
- Aqui aponta um monarca mais de centro-esquerda. Vamos ver pelo lado bom, a imprensa vai amar!
- A imprensa sim, mas e o resto das elites? Precisa ver qual tipo de esquerda esses genes refletem. Você pode dar uma olhada?
- Peraí...deixa eu ver aqui...bom, é um tipo de esquerda menos pragmática. Nas minhas projeções essa carga genética tende a ser favorável a ideias como congelamentos de preço e coisas assim.
- Vixe Maria! Deixa eu dar uma olhada na pasta 3 então... hummm... direitão mesmo. Liberal na economia. A favor dos bons costumes. Religioso. E GAY! Putz...olha, nada contra monarcas gays, lá na Europa até virou moda, mas tudo que a gente não precisa é alguém que vai ficar no armário e alimentar sites de fofocas com escândalos reais né?
- Está difícil assim. Dá uma olhada aí na pasta 2 então. Numa primeira análise não gostei do que vi, mas quem sabe?
- Veremos...pasta 2...interessante... Limitado, mas não chega a ser idiota. Sem opiniões muito claras sobre os rumos do mundo. Não é do tipo que toma as rédeas de situações críticas. Seu maior talento potencial é a poesia, algo que ninguém mais lê nesse século.
- E a saúde física?
- Deve viver menos do que seus irmãos.
- Ótimo. Ficamos com esse aí mesmo, e a próxima geração de geneticistas desse país que lide com isso daqui alguns anos.
- Longa vida ao rei!
- Longa vida ao rei!
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Genes Reais
Short StoryUm breve conto sobre o retorno da monarquia em um futuro próximo, quando a ciência tomará o lugar das tradições.