Sometimes, dolls can hurt you

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Há muitos anos, existiam pessoas más, bruxos, feiticeiros, que acabavam por fazer seus feitiços de formas erradas e amaldiçoavam à si mesmos. Para se livrarem da dor horrível e das torturas causadas pelos demônios e evitar que mais pessoas possam sofrer com isso, se matavam abraçados com bonecas, pelúcias, ou qualquer outro brinquedo macio. Acreditava-se que se o brinquedo fosse confortável o suficiente, seu demônio preferiria ficar ali e então suas almas poderiam descansar em paz. Era assim que a lenda, que se espalha por toda a cidade e país, era contada.

Mesmo ouvindo milhares de vezes que poderia ter um boneco amaldiçoado, Sehun não se importava. Gostava de voltar para casa depois de seu trabalho chato e ver aquele quarto repleto de brinquedos, estes que tinha começado a colecionar assim que começou a morar sozinho. Os brinquedos eram sua companhia e não se importava se o chamassem de louco, tinha sua própria opinião sobre si, e ela dizia que não era louco. Sehun, apesar de passar todas as noites em claro, conversando, acariciando e cuidando de seus bonecos, no escuro, não se achava louco, continuava repetindo para si mesmo que não era louco.

  Mais um dia havia chegado, o homem alto e de madeixas castanhas passou toda a noite como de costume. Ao ver o sol iluminar a sala escura suspirou e deixou "Yeoreum" sobre a mesa, fazendo um leve carinho na bochecha da boneca antes de se levantar do banco e sair do quarto, trancando a porta. Se dirigiu para o banheiro e riu sem emoção ao ver seu rosto, as olheiras fundas e a expressão cansada tinha se tornado normais. Deixou a água cair por seu corpo, como um banho bem mal-tomado e sequer se deu o trabalho de se enxugar para vestir sua roupa.

No final do dia, mal podia esperar para chegar em casa e rever seus brinquedos, seus tão amados brinquedos. No caminho para casa percebeu algo diferente, parecia algo, ou alguém, o chamando. Era um voz diferente, mas não o assustava, o chamava para o outro caminho e mesmo continuando a andar na mesma direção, tudo parecia mudar. As casas e vendas eram substituídas por arbustos e árvores e o asfalto por mato alto, todos em um tom escuro, quase preto. Se Sehun ainda sentisse medo de alguma coisa, ele começaria a chorar, mas faz anos em que o rapaz não sentia mais nada além de prazer quando ficava com seus brinquedos.

Parou de andar ao se ver de frente com uma árvore de tronco mais grosso, que parecia se mexer, se quebrar ao meio. Seu tronco lhe dava uma sensação estranha, era seu primeiro sentimento em anos, nojo. Mas logo esse sentimento sumiu e um sorriso enorme surgiu em seus lábios. O motivo era um boneco, dentro de uma caixa de vidro trincado. Não hesitou em pegá-la e jogá-la ao chão para que o vidro se quebrasse e ele pudesse abraçar o boneco com toda sua força, que não era muita, estava fraco por não comer há quase duas semanas.

"Me leva pra casa."

E ao abrir seus olhos novamente, estava na porta de sua casa. Com o mesmo sorriso, chutou a porta e adentrou, seguindo para a cozinha. Não tinha fome, mas aquela mesma voz o dizia para comer. Ao chegar a cozinha se viu obrigado a parar de correr e tomar mais cuidado, o chão era apenas uma tábua, onde teria que atravessar para chegar ao monte de cerejas, ameixas, ou seja lá o que for aquilo que estava jogado em frente a pia. Não tinha certeza do que estava embaixo da tábua, naquele buraco escuro, mas não queria descobrir. Quando terminou de atravessar a tábua, se sentou no pequeno espaço e observou as frutas estranhas, sem vontade de comer.

"Você tem que comer. Se não comer, vai morrer. Eu preciso de você vivo."

ㅡ O que te faz pensar que eu quero continuar vivo?

"Não quer?"

ㅡ Tanto faz. Não há nada legal além de meus bonecos, estou feliz por ter te encontrado, mas logo essa felicidade vai sumir, eu vou precisar de outro boneco.

"Não. Eu sou suficiente. Eu vou te dar toda a felicidade que tem procurado durante esse tempo todo. Você me salvou e vou te salvar, de uma forma que seja melhor para mim, claro."

ㅡ Você é um boneco. Não pode me usar para seja lá o quê. Eu te uso pra me sentir feliz e não pode me salvar.

"Cala a boca. Você não sabe o que eu sou. Agora, come. ANDA LOGO, COME!"

Sehun tampou seus ouvidos, a voz havia ficado alta demais e fazia sua cabeça girar. Obedeceu a pegou várias daquelas frutas estranhas e encheu sua boca com elas, as engolindo sem nem mesmo mastigar. Tudo tinha ficado em um silêncio estranho, a cozinha estava normal como antes e nem mesmo o boneco estava ao seu lado, sua boca agora tinha gosto de sangue. Suspirou e decidiu ir dormir. Dormir era estranho para Sehun, por mais que tentasse, nunca conseguia, mas ele parecia ter dormido bem e sem dificuldade alguma naquela sexta.

Apesar de ter dormido bem, havia acordado assustado, seu corpo suava e estava ofegante. Não tinha um motivo certo, mas tinha medo, muito medo. O despertador marcava uma da tarde (13:00) mas seu quarto estava escuro, as janelas faziam barulhos agoniantes, as portas do guarda-roupas batiam com todo aquele vento e um barulho estranho de vidro se quebrando o deixava mais assustado ainda. Se escondeu em baixo do cobertor fino e começou a chorar, chorou todo o medo e dor que sentia. Ao se sentir um pouco mais aliviado de tudo, afastou o cobertor e se sentou na cama.

Tudo estava normal, as janelas não estavam mais trincadas como antes, as portas do armário estavam fechadas como haviam sido deixadas e não havia mais nenhum som. Sehun se perguntava se tudo aquilo era uma alucinação, coisa da sua cabeça. Normalmente, iria ver seus bonecos, mas não queria os ver, tinha medo. Ao se levantar, suspirou ao ver o boneco da noite anterior jogado em frente a porta.

"Eu senti sua falta. Por que não foi me ver? Eu estava esperando suas mãos e seu abraço forte novamente."

ㅡ Como chegou aqui? Como sumiu ontem? O que é você?

E mais uma vez, o boneco sumiu, aparecendo em alguns segundos na frente do rapaz, o que o deixou mais assustado.

"Quer realmente saber?"

ㅡ Não tenho certeza.

"Se realmente quiser me conhecer, eu tenho uma tarefa bem simples pra você. Queime tudo. O sofrimento é mais do que você aguentaria carregar. Rasgue, me rasgue e estará livre. Terá sua resposta."

E mais uma vez, o boneco havia sumido, o que restou, foi um rastro de algo avermelhado, que Sehun deduziu ser sangue, que levava até o quarto dos bonecos e que a porta agora tinha um escrito estranho com o mesmo líquido. Por conta do medo, decidiu não fazer nada e tentou esquecer tudo aquilo, saindo de casa. Naquela madrugada, Sehun estava em uma crise insana, seu corpo tremia, tinha em suas mãos uma faca, a que usava para rasgar, perfurar, quebrar e despedaçar todos os brinquedos daquele quarto. Gritava, puxava seu cabelo, ria e jogava os pedaços dos bonecos em um canto. Ao final, viu apenas o boneco de antes, o único intacto. Agora se encontrava coberto de sangue.

"Meu nome é desconhecido. Muitos me chamavam de Luhan antes de eu me matar."

Sehun observou o boneco, com um sorriso assustador. A cada frase, seu tom de voz parecia mudar. Uma das vozes era grossa, agoniante. A outra parecia de alguém que estava sofrendo há anos, décadas, centenas de anos.

"Corra, corra pra longe, por favor, corra... Chegue mais perto, me destrua também, nós precisamos de você, Sehun."

Hipnotizado pela segunda voz, Sehun se aproximou, com a faca levantada e não esperou mais nada para enfiar a lâmina afiada no tecido do boneco feito de pano, manchado, sujo, fedido. Gritou ao sentir uma dor enorme e arregalou seus olhos ao ver uma enorme imagem preta apertar seu pescoço. Havia desistido de lutar por sua vida, se sentia inútil. Luhan havia prometido uma salvação, se entregaria ao o que quer que seja essa salvação.

Não sabia como, mas a sala estava em chamas. Os bonecos queimavam, o chão, as paredes. Podia ver sangue escorrer por seus lábios, sua pele se ressecava e aos poucos e torturosamente, a imagem preta adentrava seu corpo fraco e agora sem vida. A casa toda havia pegado fogo, nada havia sido salvo. Finalmente, tudo tinha acabado. Luhan, o antigo feiticeiro, finalmente tinha conseguido sua segunda chance de vida, se libertou daquele sofrimento, finalmente.

    "Nessa madrugada de sábado, houve um incêndio na casa abandonada, há anos nunca se mudaram para lá e ninguém sabe como se iniciou o incêndio. Os bombeiros foram acionados, porém foi tarde de demais. Tudo que pode ser salvo, foi um boneco de pano que estava dentro de uma caixa de vidro e algumas partes de um corpo carbonizado. Foi encontrado um rapaz em frente a casa, Luhan, que foi intoxicado pela fumaça e levado ao hospital às pressas. De acordo com os médicos, o rapaz está bem e terá alta pela noite. Após sua alta será interrogado pela polícia, por ser suspeito de iniciar o incêndio. Mais informações, no Jornal da Cidade."

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