IV. Quase Fuga

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Lily puxou Frella pela camisola velha e suja e espreitou para fora. Não viu ninguém nas plataformas adjacentes. As portas continuavam fechadas e as janelas atravessadas por tábuas.

– Quantos brancos existem aqui? – questionou Lily, voltando para dentro. Ela não tinha intenções de ir na frente.

– Mais do que aqueles de que gostaria de me lembrar – respondeu-lhe Frella.

– Como vamos passar pela Suprema? – questionou uma voz trémula vinda de trás.

– May, não esperava que te juntasses a nós. Encontraste a tua coragem?

– Não se trata de mim. Trata-se destas duas crianças. Elas merecem recuperar as suas vidas.

– Mal os conheces. Talvez sejam uns diabretes – riu-se baixinho.

– Afinal, como planeias passar pela Suprema?

– Segue-me e vais ver. Tenham todos em atenção que a partir de agora devem fazer o mínimo de barulho possível.

Frella assumiu o comando. O grupo, agora de oito pessoas, usou o passadiço para saltar de plataforma em plataforma. No meio do vazio que se fazia sentir, Frella mostrou-se bastante confiante, isto até chegar perto da plataforma que se encontrava próxima da Suprema.

– Ok, hora de improvisar – disse. – Como te chamas, pequena?

– Lily.

Frella ajoelhou-se e juntou as mãos em forma de concha para que Lily colocasse um pé:

– Lily, coloca o teu pé nas minhas mãos. Tu és a mais leve.

Lily percebeu que tinha que subir ao telhado. Em cima do telhado, Frella sussurrou-lhe o que devia fazer: – Preciso que contes as vozes que ouvires. Sem barulho, por favor. Embora a audição deles seja fraca, temos de evitar ao máximo emitir qualquer som.

– Fraca, Frella? Eles ouvem bem, até demasiado. Os brancos têm o dom de ouvir entre mundos. Eles ouvem tudo o que se passa no nosso e no deles. A dificuldade está, por vezes, em distinguir de onde vem cada um dos sons.

– Sim, o que a chorona disse. Mas antes, pega nestes pedaços de pano – Frella passou-lhe para as mãos tiras rasgadas da túnica do jovem branco. – Ata-as à volta dos pés. Vai ajudar-te a fazer menos barulho. E tem cuidado, pois os telhados de tábuas costumam ser traiçoeiros.

– O que a May queria dizer com o mundo dos brancos? – questionou Lily.

– Quando conseguirmos sair daqui, perguntas-lhe. Agora mexe-te!

Lily olhou para o amigo. Rory continuava estranhamente calado e com os seus olhos perdidos no nada. Talvez sair daquele lugar o ajudasse a voltar ao normal. Agarrada a essa ideia, foi rasteira até ao telhado da Suprema. Não lhe foi difícil perceber qual seria, pois ficava num cruzamento de passadiços. Na verdade, já ali tinha estado. A Suprema era a senhora idosa que tinha visto anteriormente. Ali, colocou-se o mais atrás que conseguiu e deitou-se de barriga para baixo, encostando o ouvido nas tábuas secas e envelhecidas. Naquela posição, esperou até conseguir ouvir vozes.

– Uma... duas...

O tempo passava e eles pouco ou nada falavam. Lily ficou no telhado mais tempo do que o esperado.

Quando regressou para junto do seu grupo, viu-os a todos com panos em volta dos pés. Frella segurava a forquilha que tinha tirado do jovem branco, que pousou para ajudar Lily a descer.

– Quantos contaste?

– Quatro brancos e uma branca.

– Nesse caso, são seis. A Suprema nunca fala, apenas sussurra ao ouvido do seu general – esclareceu Frella. – A porta estava aberta?

– Acho que não.

– Ok! Mantenham-se atrás de mim. Tentem não fazer barulho. Será melhor se não tivermos de medir forças... – Frella voltou a pegar na forquilha e segurou-a com força.

O grupo imitou Frella, que andava aninhada para evitar as janelas e as pequenas frinchas e buracos nas paredes.

Lily deixou-se ficar para trás para poder conversar com May:

– O que queria dizer quando falou do mundo dos brancos? – sussurrou.

– Oh, o mundo dos brancos... é difícil de descrever, porque, no mesmo momento, eles são capazes de estar aqui e não estar ao mesmo tempo, percebes?

– Como assim? – perguntou confusa.

May deixou que a direção do seu olhar fosse a resposta. Lily parou e espreitou por uma das frinchas. Ela viu quatro camas rústicas e estreitas de uma só pessoa, onde brancos dormiam na mesma posição. Os quatros estavam voltados para cima, de pernas esticadas e braços sobre a barriga. Ao invés de cobertores, eles usavam as suas túnicas com todos os botões abotoados para se cobrirem.

Lily ficou confusa, porque não percebia como aquilo seria a resposta à sua pergunta. Estaria May a dizer-lhe para se calar, já que havia o perigo de acordarem aqueles brancos?

– Não percebo – deixou claro.

Enquanto isso, antes que May pudesse voltar a falar, Frella gritou:

– Corram! Corram pelas vossas vidas! Lily, a pedra!

A porta da sala da Suprema estava aberta e, apesar dos esforços em passarem despercebidos, o general viu-os e a Suprema usou um dos poderes que mais assustavam os antigos prisioneiros: a capacidade de comunicar através do pensamento com qualquer um dos seus soldados.

Etéreo: Vila SuspensaOnde histórias criam vida. Descubra agora