Calafrios subiam pela minha espinha, olhei ao meu redor... Nada. O estacionamento do mercado continuava vazio, ou, pelo menos, era o que me parecia. Era noite e aquela droga de lugar era mal iluminada.
Ouvi passos ao meu redor, leves, de alguém astuto que, por estar me seguindo, não queria ser visto. "Pam!" Algo deu errado no plano da estranha criatura. Talvez tenha tropeçado...
Comecei a tremer, não costumava sentir medo mas, de algum modo, estava amedrontado. Continuei a caminhar em direção a saída, tenso, agora ela parecia tão distante...
Os passos pareceram-me chegar cada vez mais perto, então, em meu pavor, não sei o porquê, corri, não para a saída, mas em direção a um dos cantos do estacionamento. Se seja lá o que houvesse naquele lugar quisesse me atacar, seria pela frente, e eu estaria preparado.
Então esperei, e o atrevido ser que me espreitava das sombras apareceu. Como estava escuro só consegui ver seus contornos, mas, á medida que se aproximava, suas feições iam ficando cada vez mais claras. De repente, terrivelmente de repente, a criatura estava face a face comigo e, assim, eu percebi que era muito mais que um estranho ser: era uma mulher. Sua cabeça, grande e larga, era desproporcional ao resto do corpo esguio e cheio de belíssimas curvas. Seus olhos, vermelhos e brilhantes, me encaravam, emanando total e deliciosa loucura; seus cabelos negros caíam belamente em seus ombros; suas roupas estavam sujas, velhas e rasgadas, de cores mortas que contrastavam com a vida de seus olhos; a boca estava escancarada em um sorriso insano, seus dentes eram pontudos e assustadores; tudo nela parecia me engolir.
Meu coração estava disparado, não só por causa do medo, havia algo mais... Algo assustador. A insana não parecia mais querer me atacar, ela parecia querer me possuir... E eu gostei... Eu queria ser dela... Eu queria tê-la... E eu a teria.
Ela se aproximou ainda mais, tanto que pude sentir sua respiração em meu rosto, quente, sensual, sedutora... Senti algo mudar dentro de mim: minha alma, frágil e torta, estava gritando, se transformando, afundado dentro de si mesma e encontrando algo obscuro, escondido, e liberando tudo... Tudo... Tudo o que eu escondia, tudo o que eu prendia, tudo que me assustava em mim mesmo agora dançava, comemorando a liberdade.
Olhei fixamente para a louca, ela havia percebido minha mudança e se alegrou com isso. Nós dançamos pelo estacionamento, livres como nunca, insanos. Eu havia me tornado insano e, em minha insanidade, me juntei à mulher. Estávamos livres, nossas almas estavam em paz e nós viveríamos assim, juntos e insanos, para sempre...