Julho de 1914
Protegendo-se da chuva forte sob a arcada de uma porta, ele olhou para a pequena chapelaria de janelas salientes do outro lado da rua.
Só o nome “Belle”, escrito sobre a janela em fonte itálica e dourada, bastou para fazer seu coração acelerar um pouco mais. Ele conseguiu ver a silhueta de duas senhoras lá dentro, e a maneira como se moviam sugeria que estavam empolgadas com os belos chapéus expostos na loja.
Ele alcançara o objetivo, que era descobrir se Belle tinha realizado seu sonho, mas, agora que estava ali, tão próximo dela, ele queria muito mais. Uma matrona rechonchuda e de faces rosadas juntou-se a ele sob a arcada da porta, buscando abrigo da chuva. Ela lutava com um guarda-chuva que abrira às avessas.
— Se não parar logo de chover, vamos todos comprar pés de pato! — comentou ela em tom jovial, enquanto tentava arrumar o guarda-chuva. — Não sei o que deu em mim para sair com esse tempo.
— Eu estava pensando na mesma coisa — respondeu ele, tomando-lhe o guarda-chuva para endireitar os arames. — Aqui está — acrescentou, devolvendo-o. — Mas acho que ele vai virar de novo na próxima rajada de vento. Ela olhou curiosa para ele.
— Você é francês, não? Mas fala inglês muito bem. Ele sorriu. Gostava do modo como as inglesas da idade dela não se furtavam a fazer perguntas absolutamente estranhas. As francesas eram muito mais reticentes.
— Sim, sou francês, mas aprendi inglês quando morei aqui por uns anos.
— Está de volta a passeio? — perguntou ela.
— Sim, visitando velhos amigos — respondeu ele, parcialmente verdadeiro. — Disseram-me que Blackheath era um lugar muito bonito, mas não escolhi um bom dia para a visita. Ela riu e concordou que ninguém quereria andar na charneca[1] com aquela chuva.
— Você deve ser do sul da França — disse ela, escrutinando-lhe o rosto bronzeado. — Meu irmão passou as férias em Nice e voltou pardo como uma conker. Ele não fazia ideia do que era uma conker, mas estava contente por ela parecer disposta a conversar, na esperança de que pudesse dizer a ele algo sobre Belle.
— Moro próximo a Marselha. E aquela loja ali do outro lado me faz lembrar as chapelarias francesas — comentou ele, apontando para a loja. Ela relanceou o estabelecimento e sorriu.
— Bom, dizem que ela aprendeu o ofício em Paris, e todas as senhoras da vila amam os chapéus dela — disse com calor genuíno na voz. — Hoje eu teria dado uma passadinha lá se o tempo não estivesse tão ruim. Ela sempre arruma tempo para todo mundo. É uma jovem encantadora.
— Então o negócio dela é bom?
— Sim, sem dúvida. Ouvi dizer que vêm senhoras de todo lugar para comprar dela. Mas agora tenho que ir para casa ou o jantar não sai hoje.
— Foi um prazer falar com a senhora — disse ele, ajudando-a a erguer novamente o guarda-chuva.
— Você devia ir lá e comprar um chapéu para sua esposa — sugeriu a mulher enquanto começava a se afastar. — Não vai encontrar loja melhor, nem mesmo lá para cima, na Rua Regent.
Depois que a mulher se foi, ele continuou olhando para a loja do outro lado da rua, esperando por um vislumbre de Belle. Não tinha esposa a quem comprar um chapéu bonito, nem mesmo precisava de desculpa para entrar na loja de uma velha amiga. Mas seria sábio revolver o passado?
Ele virou-se para olhar para o próprio reflexo na janela da loja a seu lado. Velhos amigos lá na França diziam que ele tinha mudado nos dois anos desde que vira Belle pela última vez, mas ele mesmo não conseguia ver diferença nenhuma. Continuava em forma, esbelto: o trabalho duro em sua pequena fazenda conservava-o assim, e seus ombros estavam ainda mais largos e musculosos. Mas talvez os amigos se referissem à sua antiga cicatriz, que lhe havia desbotado da face, e ao contentamento que lhe atenuara as feições angulosas, fazendo-o parecer menos perigoso.