Era meio estranho ver todos os amigos do meu pai juntos em uma mesma sala, eu sabia que ele era bem famoso, que cultivou muitas amizades no decorrer do tempo, amizades verdadeiras, mas eu nunca vi todos os amigos dele juntos ao mesmo tempo. E mesmo que seja incrível, mesmo que eu ame ver como ele era amado, se eu pudesse escolher, eu escolheria não ver isso, porque de alguma forma é quase sufocante presenciar a cena, me faz querer fugir.
Ter tanta gente vindo até mim, chorando e dizendo o quanto sentiam muito, completamente compadecidos pela minha perda, cada um com sua dor, era muito sufocante. Se eu pudesse, se eu tivesse só uma chance, eu sairia correndo pela porta da funerária onde eu estava e correria para o mais longe dali, porque aquele lugar parecia ser feito completamente de dor, e eu estava tão casado de sentir isso. No momento, o mundo inteiro parecia ser feito de dor e eu não conseguia fugir.
Eu via as pessoas passando por mim, com seus olhos vermelhos e feições tristes, e tudo o que eu conseguia sentir era nada, nada além da insuportável sensação de vazio interno, nada além da dor. A única coisa que eu conseguia lembrar no momento em que me encontrava era de uma coisa que meu pai dizia quando ficava muito bebado, nas noites em que ele não se lembrava nem mesmo de mim. Ele falava que a única vez em que você seria amado por todo mundo seria no dia da sua morte, porque as pessoas ficam tão tristes por você ter morrido que só querem se lembrar das coisas boas sobre você e que você fez, mesmo que você seja um merda.
Mas eu diria que tem mais duas coisas que as pessoas sentem por você no dia em que você morre. Alívio, porque não foi com ela ou com alguém da família dela. E pena, porque mesmo não sendo alguém da família, ela ainda conhecia a pessoa e fica triste pelos entes queridos dela. E tudo bem se sentir assim, não é errado se sentir aliviado porque não foi você e não é errado se sentir mal por quem era próximo da pessoa, isso se chama ser humano. Você sente alívio, porque os humanos são egoístas, e pena, porque mesmo sendo egoístas, eles ainda tem empatia.
E eu pensei que só essas coisas seriam vistas no velório do meu pai, pessoas falando bem dele, aliviadas por não ser com elas e com pena pela família que acabou de perder alguém, mas é claro, isso foi só até ele chegar ao local. Ele entrou na sala iluminando tudo e nem parecia perceber que fazia isso, e só quando notei seus óculos de sol e sua bengala desdobrada que entendi que ele realmente não percebia o que fazia, não que ele não quisesse, ele apenas não via nada. Ele era luz, mas vivia nas trevas.
Quando ele chegou perto de mim com minha mãe em seu encalço, parecia tão triste, tão quebrado, não porque estava com pena de mim, não, era outra coisa, ele parecia sentir a dor, a mesma dor que eu sentia. Quando ele abraçou o pai, que estava do meu lado, e ficou todo encolhido no abraço, ele parecia tão fragil e perdido. Ele estava triste, mas não por mim ou por meu pai, e talvez não por SonHee também, ele estava triste pela sua própria dor, parecia sentir a minha dor porque a dor dele era quase como a minha, mas por que? ou por quem?
Youngjae, esse era o nome dele, filho de Baekyeon, chamava minha mãe de mãe, e de certa forma era quase como se ela fosse mesmo. Estendeu a mão primeiro e fez uma corrente elétrica passar por meu corpo quando apertou minha mão, porque ele era quente, como o sol, e eu era frio, como um morto-vivo. Ele não disse nada, não enquanto seu pai e minha mãe estavam por perto, mas falou, depois que eles foram, que eu poderia chorar se quisesse, ele não veria e nem me julgaria. E eu chorei, não pelo meu pai, não pela dor, acho que nem eu mesmo sei porque chorei. Talvez porque ele parecia me entender? e ele não estava com pena, ele era a única pessoa que não estava com pena.
Ele ficou do meu lado o velório inteiro e na hora em que tive que me despedir do meu pai pela última ele continuou lá, não porque SonHee pediu para que ele ficasse comigo, mas porque ele queria estar lá. Ele não falou nada pelo resto do tempo em que ficou comigo, acho que não porque ele não queria falar, mas porque ele disse que seria uma estátua. Ele estava fazendo o papel que ele disse que faria, e de certa forma eu agradecia a ele por isso.
Falar dói, falar torna as coisas reais, falar me faz abrir os olhos, e eu não quero enxergar. Meu pai não está mais aqui, eu não sei como a vida vai ser sem ele, eu estou perdido, sozinho. Mas mesmo com tudo, mesmo com toda a dor, mesmo que meu mundo inteiro esteja todo escuro e em tons de preto e branco, esse menino, parado ao meu lado enquanto o caixão do meu pai é abaixado lentamente na cova em que ele vai ficar pelo resto da vida, ainda é luz, ainda brilha, ainda entende. E eu não sei porquê, não sei para que, mas eu me prendo a sua luz, agarro a ela como se minha vida dependesse disso, e quando o caixão chega ao fundo do enorme buraco e a minha felicidade parece chegar no fundo junto com ele, eu sinto que talvez realmente dependa.
E depois, quando entro no carro de SonHee e ela explica que eu vou ter que morar com ela, seu novo marido e o garoto que brilha, porque meu pai deixou em testamento que era ela quem deveria ficar comigo se algo acontecesse a ele. Bem nessa hora, quando eu me vejo obrigado a encarar de frente o meu novo e triste mundo, o garoto luz, sentado ao meu lado no carro, me ilumina, e mesmo que eu não queira, mesmo que eu odeie a idéia, morar com o sol não me parece algo completamente ruim.
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Blind • 2Jae (HIATUS)
FanfictionAquela onde Choi Youngjae é cego, pois nasceu sem enchergar, e Im Jaebeom é cego, pois não consegue ver a beleza do mundo, mesmo podendo ver.