Eu sou a Gabriele, tenho alguns não muito bons anos, e essa é a história de sobrevivência de uma nação.
Nasci numa cidade pequena, de um país em caos chamado Oiapoque, que a alguns séculos atrás foi conhecido como Brasil, embora ninguém lembre mais disso na maioria do tempo. Se quem viveu aquela época pudesse ver quem somos agora, agradeceria de joelhos os problemas da população. Filha de uma moça pobre e de um rapaz rico, que lutaram para ficar juntos, nosso Sistema é cruel e não permite esse tipo de casamento, mas nada que uma boa propina não resolva. Aos 12 nos mudamos para a cidade grande, só os que tem a glória de um nome conseguem essa regalia, depois de inúmeras propinas pagas ao Sistema, é claro. Aqui somos separados por cores, para nos lembrar de um passado em que éramos livres para amar e não sabíamos.
Os violetas são a mais alta elite, os que trabalham com o Sistema e tem poder sobre todos os demais. Os índigos são o clero, um espelho deturpado do que a Igreja havia sido em outros tempos. Os azuis são a justiça, cega, sem espada e sem balança. Os verdes são a medicina, com a árdua tarefa de curar o que o Sistema adoece. Os amarelos são a polícia, e seus serviços chegam apenas em áreas determinadas por violetas. Os laranjas são a rede de comércio, mas na verdade existem apenas lojistas, ninguém possui o comércio, tudo é do Sistema. Os vermelhos são os mais pobres, que vivem em áreas circunvizinhas a todas as áreas de convivência e são terminantemente proibidos de cruzar suas fronteiras, a menos que alguém pague por isso.
Minha mãe se chama Vera e foi uma vermelha um dia, curandeira da comunidade onde vivia, me conta os horrores que viveu do outro lado dos muros desde que me lembro. Comida e água potável escassas, banhos uma vez por semana, doenças contagiosas e pestes assolando as comunidades além-muro, crianças morrendo de fome antes de aprender a engatinhar. Poucos sobreviviam a todas essas dificuldades, e os que conseguiam, viviam em função de ajudar os demais.
Em casos extremos que ameaçassem o bem-estar dasclasses abastadas o Sistema permitia aos verdes controlar a situação dascomunidades além-muro, e assim meu pai, Hugo se encontrou com a moça quevaleria a pena toda luta, eles se conheceram, trabalharam juntos e seapaixonaram. E a partir daí tudo custou caro. Mas não há nenhum alvoroço queuma boa propina não acalme.

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Cega, sem espada e sem balança - Histórias da terra de Oiapoque
General FictionGabriele é uma jovem determinada e rebelde que vive em um país chamado Oiapoque, rastro do que foi o Brasil que conhecemos hoje. Com o espírito rebelde herdado de seus pais, ela se reúne a um grupo secreto que tenta derrubar o que os cidadãos conhec...