2. Primeiramente

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Dei aquele sorrisinho de desapontamento.

É claro que o assunto "ultra mega hiper importante" que a Verônica estava doida pra me contar desde a 1ª aula tinha nome, sobrenome, apelido, endereço e um Instagram cheiinho de fotos.

— Tati, você não tá entendendo! — ela insistiu enquanto eu separava os pedaços de carne entre os legumes no meu prato com o garfo. — O Jonas não é um ficante; ele é o ficante! — realçou tentando fazer sua ideia maluca parecer um pouca menos maluca.

Encarei minha melhor amiga com aquela cara que só fazia quando sentia que não estava sendo levada a sério (ou seja: quase sempre, já que a Vê era especialista em ser o oposto de mim em tipo TUDO, principalmente no quesito amor).

— Amiga, vocês começaram a ficar não tem nem 1 semana... — argumentei vendo se conseguia pôr pelo menos um pouquinho de juízo na cabeça dela (outra coisa que também acontecia quase sempre).

Vê era uma das melhores alunas da nossa sala e provavelmente uma das pessoas mais inteligentes que eu conhecia, mas infelizmente vivia caindo nas graças de qualquer marmanjo de um metro e oitenta que sorrisse de forma duvidosa e tivesse sido agraciado com o nome de algum personagem bíblico.

Aliás... Eu achava estranhamente impressionante como todos os garotos com nomes assim pareciam ter uma certa tendência à "canalhice" na questão relacionamentos amorosos. Ao longo do tempo, só vi essa teoria sendo reforçada: Mateus, Lucas, Gabriel, João, Pedro...

Apertei os olhos discretamente ao pensar no último da lista.

— Táta, mas você tem que considerar que o Jojô — Me segurava pra não rir toda vez que ouvia o novo apelido dele. — e eu já nos conhecemos desde que ele foi transferido em março pra cá. Você fala como se eu fosse uma dessas emocionadas por aí que conhecem um cara há menos de 3 dias e já falam pra todo mundo que acharam seu "presente de Deus"!

Àquele ponto já sabia que minha amiga não daria mais o braço a torcer, não importaria o que eu ou qualquer outra pessoa dissesse. Já tinha sido infectada pelo vírus "amor".

Quer dizer, nisso de ser teimosa eu até que não podia falar muita coisa... Mamãe tinha me apelidado de "cabeça de pedra" quando tinha uns sete anos por ser tão teimosa com a ideia de querer ser médica, mesmo estudando numa escola que, como ela costumava dizer, "estava caindo aos pedaços" e não tivesse dinheiro pra comprar nem um livro, que dirá pagar a faculdade. Assim, acho que o termo mais correto seria persistente, mas tudo bem. Dez anos de vida a mais me fizeram entender melhor seu lado...

— Sinceramente, Vê...  — Balancei a cabeça para os lados novamente em tom de decepção. — Você nem falava com ele até a Andressa ter te apresentado pro garoto semana passada. E, se não me engano, segunda-feira, uns dois dias antes disso, a senhorita ainda estava convencida de que você e o João eram almas gêmeas, mesmo depois daquele par de chifres imenso que ele pôs em você com a sua prima.

Ela desviou seus olhos de jabuticaba meio emburrada, como quem não tinha gostado nadinha do choque de realidade que havia tomado.

Os dedos dela ficaram batucando sobre a mesa, como sempre ficavam quando estava pensando de um jeito ansioso.

Bingo! Lá estava outra coisa na qual nós duas éramos redondamente opostas: minha amiga era a ansiedade em pessoa, e eu provavelmente a depressão.

— Então é isso? — Sorriu meio inconformada. — Eu tenho um garoto gato desses atrás de mim e vou deixar tudo a perder só porque...

— Ai, Verônica... Quer saber? — Levantei da mesa já com a paciência no limite. Tá aí finamente uma coisa que não acontecia sempre comigo. Quem surtava fácil era a Vê. — Faz o que você quiser. Vai, dá logo pra ele. A vida é sua.

O Cadeado (quase) Inquebrável [Conto]Onde histórias criam vida. Descubra agora