CAPÍTULO 9 LÚCIOS

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CAPÍTULO 9.


Os pingos da chuva caem na terra fofa levantando o cheiro de poeira, o vento aumentando a velocidade, levando meu chapéu, que é capturado por meu jagunço jacinto.

Aquela história estranha que a forasteira tomou o menino de suas garras ainda não foi digerida, ele me entrega o chapéu ressabiado mirando os próprios pés. O observo com os olhos semi serrados Jacinto é leal, nunca deixou de cumprir uma ordem e o fato dele não me entregar o garoto me deixa com um pé atrás. O que realmente aconteceu me deixa intrigado até mesmo curioso, essa forasteira me deixa curioso.

A chuva aumentou busquei abrigo no celeiro, havia outros peões, mas decidiram enfrentar a chuva e saírem da minha presença deixando um rastro de medo para trás. Com certeza já souberam o que aconteceu no carreador leste. 

-Jacinto. -Sim coronel. -Conte-me o que realmente aconteceu quando foi buscar o garoto sobre minhas ordens. Ele é um homem de estatura mediana, um pouco corpulento, talvez a cachaça esteja consumindo seu cérebro dificultando suas ações. Sua face empalidece repuxa o canto da boca mostrando claramente seu desconforto, o suor minando sua fronte.

-Eu fui pego de surpresa coronel, quando me dei conta eu estava no chão e nem sinal do moleque. -Está me dizendo que um homem experiente acostumado a montar desde que se conhece por gente, foi derrubado do seu cavalo e jogado no chão por uma mulher.

Seus olhos vão em todas as direções evitando contato visual comigo. - O que está escondendo Jacinto?

- Não estou escondendo nada coronel, eu sinto muito, mas foi isso que aconteceu. Eu não esperava que ela fosse atacar o cavalo, o bicho se assustou e como eu não esperava a reação dela eu fui lançado no chão.

-Como ela fez isso? Ele pondera a resposta, seu desconforto está presente em seus movimentos. -Estou esperando Jacinto?

-Ela apedrejou o animal coronel. Sua resposta sai tremula, um leve cheiro de mentira permeia o ar. Serro meus punhos mordendo o canto da minha boca. Capturo com a língua o sangue que preenche minha boca e se mistura com minha saliva. Porque tenho a sensação que me oculta a verdade? Cuspo o sangue e digo.

-Suma da minha frente! A próxima vez que eu te der uma ordem e não cumprir, o seu corpo será o próximo a ser jogado no fosso. 

Dei as costas a ele montando meu cavalo sai galopando debaixo da chuva. Jacinto é leal, mas quando dou uma ordem ela tem que ser cumprida, mesmo que custe a própria vida.

Zanzo de baixo da chuva, filetes de memórias surgindo sem controle, me atormentando como ferroadas de abelhas. Lembranças ocultas a muito esquecidas e mantidas a sete chaves, minha mente se clareando, como os relâmpagos que corta o céu negro.

Não consigo controlar a minha mente, me vejo novamente dentro daquele banheiro sendo subjugado e humilhado, minhas partes intimas expostas e violadas.

O coronel Emiliano sempre me alertou para andar com os capangas ao meu lado nunca dar as costas ou subestimar um inimigo mesmo que ele aparentar inofensivo. -Seja sempre o lobo e não a cordeiro. Aquela noite me tornei o cordeiro, dei as costas e fui encurralado.

O cordeiro quando é levado para o abate ele não se defende: não esperneia, não berra, é como se soubesse o dia da sua morte, não luta. Ao contrário, a lâmina fria passa em sua garganta e seus olhos lacrimejam esbugalhados. Uns e outros acredita que aquilo é choro, para mim é bobagem, puro folclore.

Naquele dia eu agi como um cordeiro, mas tentei lutar como um lobo, fui vencido, eram cinco e eu era um. Quando os golpes começaram eu usei todo meu alto controle para não gritar como uma virgem sendo deflorada. A ira deles só aumentou eles queriam me ouvir gritar, implorar, eu morreria e jamais imploraria por piedade ou misericórdia.

Minha mãe dizia que eu era seu pequeno lobo, eu retrucava dizendo que era um homem, ela insistia e dizia: - Meu pequeno lobo.

-Mãe olhe para mim não sou um lobo, sou um homem. Seus olhos negros brilhantes, me fitavam em descrença.

-Fisicamente não, mas aqui você é. Ela colocou a mão sobre meu peito onde meu coração batia como um tambor. Abaixei meus olhos tentando entender sua teimosia em afirmar o que dizia. 

-O lobo é forte, astuto, misterioso, bom caçador, esperto, prevê o perigo, i nunca se arisca em caçadas inúteis. Algumas dessas habilidades já estão presentes em você outras, estão adormecidas, mas com o tempo será despertada. -Mãe pare de falar essas coisas, me provocam calafrios na espinha.

Ela leva um dedo nos meus lábios me fazendo calar. - Escute, preste bastante atenção, eu não viverei para sempre; um dia estará só; as sombras terão corrompido sua alma e será sua única companhia, pensará que tudo estará acabado não sentirá nem mesmo vontade de lutar por sua vida. O mal e o desejo de ferir e devastar tudo a sua volta o deixará cego, anulando e enfraquecendo sua razão.

-Mãe não gosto quando fala essas coisas sinto medo e tenho pesadelos ao dormir!

-Não tenha, tudo que eu te digo será cumprido e quando acontecer será a hora de deixar o destino trabalhar. O destino é como uma aranha tecendo sua teia para pegar sua presa, quando a presa pousa ela sabe exatamente onde está através das ondas sonoras emitidas. O destino age da mesma forma, ele vai tecendo e colocando tudo no nosso caminho, mas o ser humano é tão cabeça dura que teima em ir contra ele. Em alguns casos raros até dão certo, mas em outros é um caminho sem volta. Não será diferente na sua vida, ele virá até você, caíra diante dos teus pés num aroma suave e ao mesmo tempo doce, despertará sua alma, trazendo vida. Te despertará do coma, resta saber se estará preparado para enfrentar esse vulcão de sentimentos letárgicos. Quem permitirá que ganhe a batalha qual espirito será o vencedor. Aquele do menino que brincava no meio das flores observando as borboletas encantado com suas cores? Ou o lobo faminto desesperado por sentir o gosto do sangue minando de suas presas quando abocanha a carne?

A chuva cessa e nem me dou conta, estava tão imerso perdido em meus pensamentos, percebo meu cavalo cansado, não consigo me concentrar para traçar o caminho de volta. Olho ao redor, sei que estou em minhas terras, mas em qual zona exatamente, inferno!

Como minha mãe era assustadora, se tivesse nascida em outra época com certeza teria sido queimada como bruxa. Os pelos dos meus braços se levantam num arrepio tenebroso, meu cavalo relincha imediatamente retiro o que disse. Os indígenas recebem e enxergam a morte de uma forma diferente, a carne morre, mas o espirito vive.

As palavras da minha mãe e o fato que me aconteceu naquele hospital bate em minha face como um tapa, aquele perfume fez todo o sangue do meu corpo se direcionar em um ponto certeiro, me enchendo de esperança e confusão, era irreal, o cheiro era tão fascinante que eu fiquei excitado.

Quando cheguei nessas terras eu ainda era um menino, meu pai se ocupou em me manter focado em minhas tarefas e nos estudos, mal tinha tempo de respirar. Eu não tinha vida era um robô cumprindo ordens não namorei, nunca me apaixonei não vivi ilusões românticas ou decepções amorosas. Essa faze simplesmente foi pulada na minha vida. No fundo nunca me importei tornei me um homem, o trabalho e a ganancia eram meus amantes.

Nos raros momentos que encontrava com Cezar ele dizia que estava apaixonado, que tinha encontrado sua alma gêmea, que nunca mais iria voltar para o interior que os pais da jovem aprovavam o namoro. Ele se estabeleceu na capital, o sogro lhe ofereceu uma vaga no seu hospital, que não demoraria pra sua pretendente se formar que trabalhariam lado a lado.

Lhe desejava boa mesmo ouvindo todo seu entusiasmo ficava intrigado, ele tinha uma alma gêmea e mesmo assim ciscava em outros terreiros.

 inconscientemente também esperei pela parceira ideal aquela que minha mãe dizia que eu teria, que ela seria minha fêmea para toda a vida. Mas depois do que me aconteceu este será mais um capítulo que terá que ser pulado e reescrito, afinal uma fêmea precisa de um macho forte e viril.





O Cheiro do pecado completa.Onde histórias criam vida. Descubra agora