Ride

202 14 86
                                    

Carlos Eduardo era religioso.

Esta era uma das primeiras coisas que qualquer um que o conhecesse descobriria. Ele era filho do pastor da maior igreja evangélica da cidade, e, assim como o pai, era muito devoto. Participava de todos os eventos da igreja, era líder de célula (o que queria dizer que ele era líder de um grupo de jovens que estudavam e conversavam sobre a Bíblia) e um exemplo de garoto.

Todos esperavam que um dia ele fosse assumir a igreja de seu pai.

Sim, ele com certeza era o filho perfeito.

Exceto por um detalhe: ele gostava de meninos.

Carlos nem conseguia usar a palavra gay para se referir a si mesmo em seus pensamentos. Ele não podia ser... Isso, certo? Um desviado, um pecador.

Não, não. Apenas estava confuso. Não precisava terminar com Sofia... Pelo contrário, ela o ajudaria a sair desta fase.

Já era tarde da noite, mas, como vinha acontecido nos últimos tempos, ele não conseguia dormir. Apenas olhava para o teto enquanto seus fones de ouvido tocavam Twenty One Pilots, ou TØP, uma de suas bandas preferidas. Logo a playlist começou a tocar Ride. Ele suspirou. A música tinha um ritmo animado, mas na verdade era bem triste. Sendo bom em inglês, ele entendia a letra. E se identificava.

"Eu só quero ficar no Sol, onde eu achar
Eu sei que é difícil, às vezes
Pedaços de paz na paz mental do Sol
Eu sei que é difícil, às vezes"

Ele suspirou. Precisava dormir. Amanhã tinha aula.

Tirou os fones de ouvido e os colocou junto com o celular na cabeceira da cama. Então, se ajoelhou no chão e juntou as mãos em sinal de reza.

— Senhor... Por favor, tire esse mal de mim. Não consigo parar de pensar nisso, está me atormentando, tirando meu sono. Sempre tentei ser uma boa pessoa, Pai... Não quero decepcioná-lo— ele suspirou, fazendo uma pausa. — Se não puder fazê-lo porque sou eu que tenho que lutar contra, vou entender. Mas ao menos me ajude a desligar esses pensamentos para que eu possa dormir. Amém.

Assim, ele se jogou na cama. Checou o horário em seu celular. Já eram duas da manhã. Suspirando, abraçou seu travesseiro e fechou os olhos, esperando que o sono finalmente o levasse.

Quando o despertador tocou no dia seguinte, ele sentiu uma séria vontade de tacar o celular contra parede. Depois de orar, ainda havia demorado o que ele achava ser mais ou menos uma meia hora para dormir. E agora o despertador tocava às 6 da manhã. Tinha dormido só três horas e meia.

Colocou o uniforme ainda meio dormindo. A bermuda cor de vinho e a camiseta polo com uma pomba branca em cima de uma cruz como brasão da escola pareciam apenas contribuir para sua aparência decadente, foi a conclusão que chegou enquanto se olhava no espelho. Ele estava começando a ficar com um caso sério de olheiras.

Quando terminou de se arrumar, desceu as escadas para ir em rumo à cozinha tomar café com a sua família.

— Você está parecendo um zumbi —foi o primeiro comentário que ouviu no dia, vindo de sua irmã mais nova, Letícia, que o "cumprimentou" alegremente.

— Bom dia para você também, Le — ele respondeu enquanto se sentava no seu lugar entre Letícia e sua outra irmã, a mais velha, Amanda.

— Bom dia, filho — seu pai disse, tentando conter a risada. — Sua irmã está meio certa, sabe. Você está com uma cara péssima.

— Não dormiu bem, Carlos? — sua mãe perguntou enquanto colocava um bolo de chocolate na mesa e se sentava.

— Não muito — o garoto admitiu, bocejando.

A trilha sonora de nossas vidasOnde histórias criam vida. Descubra agora