Eu ainda podia sentir o seu perfume na minha velha camisa xadrez, ainda podia ouvir a sua voz ecoando na minha cabeça, me pedindo para não mentir sobre as coisas que estavam erradas. Como toda história, haviam dois lados para serem ouvidos. Eu voltava para casa e sabia que ficaria bem, que na manhã seguinte acordaria com outra dor de cabeça e mais uma ressaca de outra noite embriagado.
Isso não impedia que me lamentasse por tudo que fiz, cada passo fora do caminho e cada caminho que cruzei deixando pegadas irregulares, confundindo viajantes desavisados.
Haviam noites em que eu não conseguia dormir, ela surgia em minha mente com os mesmos olhos, com a mesma boca e com os mesmos sinais que marcavam seu corpo. Às vezes eu ainda a imaginava sorrindo para mim, como da primeira vez que a vi, sentada em uma calçada lendo um livro sobre alguma rainha.
Quando meu olhar encontrou o dela naquela noite, eu imaginei esse brilho todo saindo de controle e iluminando a escuridão que havia em mim. Foi assustador e emocionante ver uma alma como a dela se entrelaçar na minha até que eu pudesse sentir que éramos um, e se ainda não éramos, deveríamos ser.
No início, ela me ligava todas as manhãs, sua voz invadia meu quarto, tocava carinhosamente meu rosto como a primeira luz do dia toca o topo das árvores. Ela me trazia vida e me trazia calor, despejava o seu cansaço em mim, e eu o absorvia feliz. Isso acalmava a nossa solidão, era a euforia de que eu e ela precisávamos desesperadamente, era como ser jovem eternamente.
Em nossa confusão de palavras sempre encontrávamos um motivo para permanecer por mais um minuto. Pois pra ela, eu era o sentimento mais claro enquanto ela própria era o mais escuro. Talvez ela fosse como um oceano, eu pensei, vasto e azul na superfície, mas escondendo seus mistérios nas profundezas. Ela travava uma eterna luta contra si mesma, e agora eu fazia parte da batalha. Queria estar lá para ser seu escudo, queria protege-la da angustia e da solidão, eu sabia como era estar sozinho, como era se sentir sozinho, e imaginar ela cheia de toda essa confusão me aterrorizava.
É como parar pra pensar no seu momento mais alegre, e se dar conta que se você teve que pensar por alguns momentos não é tão alegre assim, não é? Isso me preenchia de um vazio, eu queria brilhar para ela da mesma forma que ela brilhou para mim, iluminar sua escuridão da mesma forma que ela iluminou a minha, mas eu me questionava se minha luz era forte o suficiente.
Eu estava ansioso, como naufrago recém encontrado, eu estava prestes a navegar outra vez. E ela era o mais azul oceano.
Com o passar do tempo nossos olhares ficaram distantes, o dela se desviava de mim por qualquer motivo e o meu era apenas algo neutro. Não olhava nem para perto e nem para longe, apenas via o mundo ficar embaçado.
Um dia fui até sua casa e já podia sentir mesmo antes de saber. Deitamos na cama e ficamos em silencio por alguns minutos, então falamos juntos em uníssono — Acabou. — Olhamos nos olhos um do outro por uma última vez, nos abraçamos e então choramos juntos. Pois ali sabíamos que um grande amor tinha chegado ao fim.
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Todas As Minhas Palavras Eram Azuis
Short StoryUm conto sobre aquele amor que todo jovem já viveu.