Sinto o carro parar em algum momento pela manhã e logo o som de milhares de murmúrios de adolescentes felizes preenchem meus ouvidos, mesmo que as janelas do carro estejam todas fechadas e a música no rádio esteja tocando em um volume particularmente alto. É sempre assim, todos os dias desde que comecei a estudar, e eu nunca vou entender como as pessoas conseguem ficar felizes de manhã cedo, porque como você pode ficar feliz tendo que acordar? Você tem que acordar e acordar é uma merda!
Quando eu era criança eu sempre dizia pra todo mundo que queria crescer e virar presidente só pra criar uma lei que proibisse as pessoas de acordar cedo, porque assim, quando elas fossem trabalhar, estariam todas de bom humor e fariam tudo de forma perfeita. E agora, mesmo depois de grande, eu continuo pensando da forma que o Youngjae criança. Acordar cedo deveria ser um crime e eu queria ser presidente só para criar essa lei, e olha, eu aposto que muita gente concordaria comigo.
Suspiro o mais alto que consigo, antes de desencostar minha cabeça do vidro da janela do meu lado do carro e começar a arruamar minhas coisas para sair do automóvel, bem dramático mesmo, porque eu mereço. Jaebeom também parece começar a arrumar as coisas dele, pelo barulho que eu escuto do meu lado direito, onde ele está sentando desde que saímos de casa. E a porta do assento do motoristas não demora muito para ser aberta também, antes do barulho da minha mãe saindo do carro ser ouvido.
Fiquei em casa pelo resto da semana que se seguiu depois que Jaebeom veio morar com a gente, porque meu pai precisava trabalhar e minha mãe tinha que resolver toda uma papelada sobre ele e a guarda dele, então se eu não ficasse em casa, ninguém poderia ajudar na adaptação dele a casa nova. E talvez também seja porque ele tem quase a minba idade, e por isso meus pais pensaram que eu me daria melhor com ele, mas de qualquer forma, por eu ser o único disponível no momento, fiquei encarregado de fazer todo o trabalho sujo.
E eu não fiz um bom trabalho, não porque eu não quis, mas porque ele não deixou. Depois do dia do meu quarto, ou talvez tenha sido até mesmo naquele dia, ele parou de falar, não só comigo, mas também com meu pai e SonHee. Ele simplesmente se calou, se fechou sozinha em uma bolha tão resistente que nem eu consegui atravessar, mesmo que meu pai sempre diga que não há barreiras que eu não consiga ultrapassar, porque eu sou luz, e eu salvo as pessoas.
Mas eu não consigo ultrapassar as barreiras dele, e eu tentei tanto essa semana, e de tantas formas, tanto que até perdi as contas de quantas vezes foram. Mas ele não me deixou entrar, ele não deixa ninguém entrar, ele continua lá, sozinho, triste, perdido. E eu sei disso porque escuto o som da dor dele, em todas as noites escuras, quando ele pensa que todos estão dormindo e que ninguém vai ver quando ele deixa a dor entrar.
Mas ele não entendeu ainda que eu nunca vejo nada, e que por isso eu aprendi a ver as coisas de uma forma diferente, então mesmo que ele tente esconder a dor dele no escuro do quarto, eu ainda posso ver. Eu escuto ele e escuto a dor dele, e por mais que ele tente exilar essa dor, ele nunca consegue, e ele não vai conseguir, não sozinho. Por isso eu continuo tentando, porque se meu pai tiver mesmo razão e eu realmente puder salvar as pessoas com a minha luz, eu quero salvar ele. Quero salvar ele porque Im Jaebeom é alguém que merece ser salvo.
— Youngjae querido, você vem com a gente até a secretaria? — Minha mãe pergunta depois que eu saio do carro e desdobro minha bengala. Sinto Jaebeom se aproximando lentamente de nós dois também, como se estivesse cansado até mesmo de respirar. Penso por um momento, Eu tenho algo para fazer agora? Não. Eu quero ir com ela... com ele? Não também. Mas por que? Eu não sei.
— Na verdade eu tenho que fazer uma coisa, tudo bem se eu não for? — Tento parecer o mais normal possível, mas algo na forma como as pessoas ao redor pareceram parar de falar assim que ele saiu do carro, e algo na forma como eu me sentia observado desde que eu sai do carro, me deixa nervoso, me faz só querer sair correndo.
— Tudo bem, querido, não tem problema. — Dá para saber pela voz da minha mãe que ela está sorrindo, então eu tento sorrir de volta, assentindo com a cabeça, em concordância. Jaebeom continua em silêncio ao nosso redor, fazendo sua presença ser notada apenas por existir, e eu sinto que deveria falar alguma coisa pra ele, mas o que?
— Certo, até mais tarde mãe. — Ela me abraça e eu a abraço de volta, em despedida. E quando ela me solta eu me viro na direção em que Jaebeom se encontra, sorrindo para ele também. — A gente se fala por ai, Jaebeom, se tiver qualquer problema você pode me procurar, minha sala é literalmente a primeira do corredor. E você pode se sentar na minha mesa na hora do almoço também, se você quiser, não é difícil de encontrar ela também.
— Ok, obrigado. — E isso foi a primeira coisa que ele falou desde a hora em que acordou, e eu até me sinto meio orgulhoso de saber que as primeiras palavras que ele proferiu no dia foram direcionados a mim. Não sei o porquê, mas isso só me deixou feliz de verdade, mesmo que ele só tenha falado um obrigado. Vindo dele, até um simples obrigado parece se tornar algo completamente importante.
— Legal, eu vou indo agora, tenham um bom dia. — Eu aponto na direção para onde eu vou, ou seja, direção nenhuma, e sorrio o mais normal possível, sabendo que minha mãe está sorrindo de volta e que Jaebeom está olhando pra mim, então aceno com a mão e começo a andar.
— Tchau querido, tenha um bom dia você também! — Minha mãe exclama quando eu já estou meio longe, mas eu não me viro, apenas levanto a mão em sinal de positivo e sigo andando para qualquer lugar que não seja aqui. Sinto o olhar de muitas pessoas queimando meu corpo, vindo de todas as direções, fazendo minha vontade de sair correndo voltar a meu corpo na mesma hora, só que agora mais forte. E então eu corro, para longe, para qualquer lugar, para lugar nenhum. Apenas corro, corro muito.
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Blind • 2Jae (HIATUS)
FanfictionAquela onde Choi Youngjae é cego, pois nasceu sem enchergar, e Im Jaebeom é cego, pois não consegue ver a beleza do mundo, mesmo podendo ver.