Capítulo Único

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Era um daqueles dias. Sim, aqueles em que tudo parecia no lugar. Aquela perfeita sexta-feira, onde eu poderia buscar cafés para os superiores da editora com uma satisfação admirável. Jamais um sorriso, não me via na obrigação de distribuí-los com tanta facilidade. Não sou uma flor que desabrocha a cada primavera, mostrando suas pétalas.

Não é disto que falo, mas sim da felicidade verdadeira, daquela que não tem como ser expressa em palavras; fica em atos. Como o que acontecia naquele exato momento: eu saltitava pelo corredor para colocar o adoçante que tinha esquecido na xícara do homem que merecia o Nobel da Discórdia, se eles existissem (e só não existem porque estão cientes de que ele ganharia todo ano). Meus sapatos faziam uma melodia quase sinfônica no chão de porcelanato e, céus, eu odiava aquele som, mas ele sequer me importava. Voltei para a sala de Kim Minseok e o entreguei agora o que me havia pedido, mas não me importei com seu olhar de julgamento, tão penetrante quanto espada de samurai. Bundão.

A editora tinha o frio costume — diga-se de passagem, constituído pelo próprio Minseok, e quem mais seria — de julgar seus funcionários por notas de 0 a 10, em um sistema mais que bem elaborado para nos foder sempre que os gastos estavam elevados demais. Eu podia acompanhar de perto o sistema por um velho amigo da tesouraria e que cuidava dessa parte, a única pessoa que parecia protestar junto comigo e aparentava, incrivelmente, estar tão fodida quanto.

"Você é um 4." Disse Jonghyun, em seu tom firme e prepotente. Ele carregava aquela entonação naturalmente, como numa permanente crise de sexto ano, ou um complexo de Regina George.

"Que droga é um 4? Permita-me afundar em minha ignorância." Disse, mais que depressa, mesmo que tivesse costume de pensar bastante em minhas frases antes de tirá-las da minha mente. Jonghyun meio que tinha esse dom, sempre deixava a todos confortáveis.

"É o que vem antes de 3 e 5. O que quer dizer? 3 é muito ruim. 5 é mediano. Você está entre isto, e se me permite dizer, poderia ser pior." Deu de ombros, voltando a encarar a tela do computador. Tão otimista.

"4." Repeti para mim mesmo, alto o suficiente para que me repreendesse logo a seguir.

"4." Jonghyun concordou.

"Eu faço tudo por essa merda de empresa e sou a porra de um 4."

Jonghyun ficou em silêncio. Não havia nada que pudesse ser explicado, muito menos consolado, de qualquer forma. Nem mesmo a pessoa mais otimista que eu conhecia era capaz de me dar uma palavra de incentivo.

Mas não importava, porque aquele era um daqueles dias. Um que fazia todo e qualquer esforço valer a pena. Sexta-feira.

Olhava no meu relógio a cada instante. Qualquer superfície com reflexo era o bastante para que eu vislumbrasse meu rosto, verificando se havia algo de errado. Minhas mãos suavam e, droga, como eu odiava suor. Corri para minha mesa assim que tudo pareceu estar tranquilo e me permiti continuar meu livro, pelo qual eu tinha um apego especial. Não tive muito tempo, porém, pois logo Minseok já me chamava novamente para mais uma de suas tarefas triviais e seus comentários cruelmente depreciativos.

As horas demoram a passar, mas elas passam, no relógio incessante da vida. Logo já eram seis horas e eu pude me livrar de toda aquela droga. Meus passos faziam ainda mais barulho; me irritavam ainda menos.

Minseok me entregou a chave em mãos e pediu para que eu fechasse tudo. Engoli aquele bolo que se formou em minha garganta, eu poderia me atrasar um pouco, por mais que isso me estressasse. Consegui organizar todos os papéis e fechar a tempo de pegar um táxi em frente ao prédio. Pus meu sobretudo marrom na maior pressa que pude ter. Até mesmo esqueci o notebook e precisei quase me ajoelhar para que o taxista me desse apenas alguns minutos para que eu abrisse tudo e fosse atrás da bolsa retangular, sem sequer se importar com a escuridão. Mas tudo deu certo, e logo eu estava no sedan preto que cortava as ruas no banco de atrás, olhando a rua pela janela.

catarse  [ sulay ]Onde histórias criam vida. Descubra agora