Zelo
Não precisava olhar a tela do celular para saber que o número que me telefonava era desconhecido. Aquela era, talvez, a décima segunda ligação recebida naquela noite desde que comecei a contar. Ela não desistiria fácil, nunca desistiu e eu sempre soube disso. Qualquer um que soubesse o que estava acontecendo diria que o melhor seria atender ligação e mandá-la ir pro inferno. Ah, e quantas vezes eu já não fiz isso. Mas mesmo se ela fosse, seria apenas para ter mais aulas de como me infernizar.
Não pense que sou um canalha, grosseiro com as mulheres. Essa mulher não se trata de uma como as outras. Se trata da mulher que fez minha vida virar completamente do avesso, me afundou no poço da loucura e então sumiu, desapareceu por longos seis anos sem nem ao menos de se importar com um pedido de desculpas. E agora estava de volta, assim, de repente, sem motivo algum. E me queria de volta, como se nada tivesse acontecido.
O celular parou de vibrar e a mensagem foi para a caixa postal. Mas eu sabia que não seria a última.
Chamei o bartender e pedi mais um copo de whiskey. Dessa vez, pedi que deixasse a garrafa ali. O bar naquela noite estava calmo, além de mim havia apenas dois homens que bebiam e conversavam. Enchi o copo até o topo e engoli o líquido de uma vez, sentindo-o queimar na minha garganta.
Observei a aliança em meu dedo. Sohye deveria estar me esperando em casa, nunca dormia se eu não estivesse ao seu lado. Sabia que eu estava com problemas, mas pensava que era algo no trabalho. Não gostava de esconder nada de minha esposa, mas não deixaria que ela soubesse sobre esse meu passado. Não foi minha culpa, eu sei, mas temo do que ela iria pensar quando soubesse que esse passado está fazendo de tudo para se tornar o presente.
O celular começou a vibrar novamente. Ela não cansava. Mas dessa vez foi mais rápido, a ligação não durou nem trinta segundos.
O rangido da porta de entrada do bar sendo aberta ecoou por todo o local, mas me dei ao trabalho de olhar quem era até ver o olhar paralisado do bartender a minha frente.
Apesar dos seis anos que se passaram, Miyoung não havia mudado muita coisa. O cabelo, antes platinado, agora estava em seu castanho natural, mas as roupas vulgares, o caminhar e o sorriso de quem estava a procura de problemas continuava o mesmo. Igual a quando eu a conheci.— Olá, Junhong. — ela disse, enlarguecendo aquele sorriso que eu tanto odiava.
Não respondi, aliás, não consegui responder. Estava impedido até mesmo de saber o que eu estava sentindo. Talvez raiva, surpresa, nojo, tristeza. Talvez tudo ao mesmo tempo. Tudo de novo.
— Você não atende minhas ligações. Fiquei preocupada! — falou como se fosse uma esposa abandonada. Cínica.Caminhou a passos lentos e sentou-se ao meu lado. Encarei o copo de whiskey a minha frente, na esperança de que quando percebesse que eu a ignorava, fosse embora. Era inútil. Miyoung não era assim.
— Ei. — ela me chamou, e quando eu não a encarei, ela puxou meu queixo e virou meu rosto para a ela. — Senti muito a sua falta.
— Não faça isso. — sussurrei e desviei o olhar. Ela apertou mais ainda o meu queixo. — Eu mandei não fazer isso. — gritei ao derrubar a cadeira no chão assim que levantei bruscamente, chamando a atenção de todos no bar.
— Por que você está tão ríspido? Eu te amo tanto!
Ri, incrédulo.
— Amor? Você nem ao menos sabe o que é isso. Você é falsa, cretina e tenta o tempo inteiro ser protagonista de um filme dramático. Amor... É, talvez você ame alguém mesmo, mas não a mim. Provavelmente é um desses caras com o qual você me traiu por dois anos!
Ela levantou-se com uma expressão triste em seu rosto, e caminhou em minha direção.
— O único filme que estou tentando viver com você é um filme de romance.
— Pra mim parece mais com um filme de terror.
Miyoung me observou de cima abaixo, e pelo seu olhar de surpresa pude perceber que ela viu meu anel de casamento. Mas ela logo sorriu.
— Não me importo em ser a outra.
O bar ficou em silêncio por alguns segundos. O perfume doce que ela usava me trazia milhares de lembranças que queimavam em minha mente como fogo. Sentia o olhar dos outros três homens sobre mim. Não sabia o que eles pensavam, mas conseguia imaginar. Na mente deles, ou eu era esperto por não querer estragar meu casamento, ou era idiota por recusar uma mulher linda como ela.
Bem, eu preferia ser idiota.
Miyoung destruiu minha vida o suficiente para que eu fosse tão insano ao ponto de deixá-la fazer isso outra vez. Por dois anos, ela dormiu com outros homens no apartamento em que dividiamos, mas se eu desse bom dia para alguma mulher na frente dela, era briga na certa, muitas vezes na frente de todos. Perdi meu emprego devido a um de seus seus surtos de ciúmes cujo o alvo fora minha chefe. Claro, tudo uma mentira.
Ela sempre foi assim. Gostava de viver um drama, de jogar com a vida dos outros. Com o amor dos outros. Eu a amava, ela não.
E então, ela desapareceu, me deixando na mais profunda depressão. E foi preciso mais de um ano para que eu me recuperasse. Porém me recuperei. Encontrei outro emprego, me apaixonei por Sohye, nos casamos e agora estávamos esperando nosso primeiro filho.Mas Miyoung sabia disso. Ah, e como sabia, do contrário ela não estaria ali, bem a minha frente, querendo que eu entrasse em seu jogo novamente. Era assim que ela agia.
— Eu tenho nojo de você. - cuspi aquelas palavras. — Vai se foder.
Isso não a surpreendeu. Pelo o contrário, ela riu como se soubesse que eu diria aquilo. Ela caminhou até a porta, me deixando ouvindo apenas seus passos.
— Se mudar de ideia, você tem o meu número. — e saiu pela porta, me deixando a ouvir o som da sua risada desaparecendo lentamente.
E eu soube que aquele inferno estava apenas começando.
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Voicemail
FanfictionJunhong estava cansado daquelas ligações. Não podia suportar todas aquelas memórias vindo à tona queimando sua mente como fogo.