Yongguk
Quando pensava em como seria estar apaixonado, eu imaginava momentos clichês, românticos e felizes. Nunca imaginei que viveria o próprio inferno na terra. Não é como se eu tivesse escolhido isso, mas é como se fosse um castigo, uma punição por ser quem eu era. Por amar alguém que os outros julgavam não ser correto pra mim.
O conheci no colégio aos dezessete anos de idade. Kim Himchan. Ele era o mais bonito da minha turma, talvez do terceiro ano inteiro. A pele leitosa, os lábios carnudos e avermelhados e o cabelo que costumava tingir de loiro. Parecia um anjo com todos aqueles traços bem feitos. Ele era charmoso, simpático e sempre estava disposto a ajudar qualquer um que fosse. Foi a primeira pessoa que notei na sala de aula logo no meu primeiro dia naquela escola, e nos tornamos amigos. Mais que isso, inseparáveis.
Não demorou muito para que eu percebesse que Himchan não me enxergava apenas como um amigo. Sempre que Woojin, sua irmã mais nova, ou qualquer outra garota conversava comigo, ele ficava de cara feia, emburrado como uma criança de seis anos. Confesso que adorava vê-lo daquele jeito e adorava mais ainda saber que era por minha causa, mas admito que não tinha coragem para confrontá-lo, afinal, as chances de tudo não passar de uma ilusão não eram tão escassas quanto parecia.
Uma coisa que nunca irei esquecer era o quanto Himchan gostava de flores. Ah, e como gostava. Lembro-me do dia em que fomos para minha casa e minha mãe chegou com diversos vasos de flores para colocar no jardim que ela estava montando no quintal da nossa casa. Himchan passou o resto da tarde admirando aquelas flores, tanto a sua beleza quanto seu aroma. Disse que rosas eram as suas favoritas, de qualquer cor que fosse.
Dias depois eu decidi que iria me confessar. Comprei um buquê de rosas vermelhas e fui até a casa de Himchan em um horário que seus pais não estivessem. Só não esperava que sua irmã abrisse a porta do apartamento. Foi o pior momento da minha vida. Por sorte, ou talvez azar, ela supôs que as rosas eram para ela e sorriu de orelha a orelha. Ao fundo, vi que Himchan também pensou a mesma coisa. Ver seus olhos marejados partiu meu coração ao meio, e eu precisei de forças divinas para não ir até lá e abraçá-lo. Woojin pegou as flores e as levou para dentro, saindo de casa em seguida. Eu entrei, escondendo minhas mãos atrás das costas e olhando para ele, que abaixou a cabeça. Levantei a mão e lhe mostrei a única rosa que consegui salvar antes que Woojin pegasse o buquê. Ele me olhou e sorriu, e eu percebi que seu sorriso era a coisa mais linda do mundo. Então, andou em minha direção, pegou a rosa e antes mesmo que eu pudesse pensar, me beijou. Ah, e que beijo! Nunca imaginei o quanto precisava daquele beijo até consegui-lo, e sei que ele pensou a mesma coisa. Quando separou seu rosto do meu, pude ver que ele sorria, assim como eu. E então, o beijei novamente, dessa vez de forma mais intensa. Era como se nada no mundo pudesse nos atrapalhar.
E não atrapalhou. Pelo menos por dois meses, vivemos escondendo a nossa paixão um pelo outro. Nenhum de nós queríamos aquilo. Amar e não pode gritar esse amor a todos é algo angustiante.
Faltavam dois dias para completarmos nosso terceiro mês quando ele contou sobre a viagem que seus pais iriam fazer. Woojin iria dormir na casa de uma amiga durante esse tempo e sua casa ficaria completamente vazia. Imediatamente entendi o que ele queria dizer. Lembro de me segurar para não rir. Ele falava sobre aquilo tentando parecer insinuante, mas continuava exalando sua inocência, e isso era, de um modo muito estranho, fofo.
Quando chegou o dia, fui para a casa de Himchan assim que sua irmã saiu. Levei uma caixa com chocolates, mas acho que ele nem ao menos percebeu. Assim que abriu a porta, me beijou de uma forma que eu não estava acostumado. Não era um beijo tímido e doce como sempre, era mais caloroso, mais necessitado.
Ele me puxou para seu quarto e continuou a me beijar. Apenas permiti que me guiasse. Ele passou a mão pelas minhas costas e tirou me camiseta, em seguida agarrando a barra da minha calça e abrindo os botões. Naquele momento, não ouvíamos nada em volta além de nossas respirações ofegantes.
Nem mesmo os pais de Himchan entrando no apartamento.
Foi tudo tão rápido quanto um piscar de olhos. A mãe de Himchan gritou e o pai dele apareceu, incrédulo. Em um segundo, Himchan chorava enquanto pedia perdão aos pais. No outro, ele estava ao chão, sendo espancado impiedosamente pelo o seu progenitor que espumava de raiva e não parecia que iria cessar, nem mesmo ao som dos gritos de seu primogênito e de sua esposa. Fiquei sem reação por um momento, mas quando voltei a mim, pulei em cima do homem mais forte que eu como se fosse adiantar alguma coisa. Ele me agarrou pela gola da camisa, me empurrou contra a parede e cuspiu as mais chulas palavras na minha cara. "Seu viado, você fez meu filho virar uma bichinha", e me jogou com força contra a parede, fazendo minha cabeça girar. Então, voltou a bater em Himchan, que jazia desacordado no chão. Apenas quando sua esposa pulou em cima dele, aos prantos, ele parou. Olhou para seu filho desmaiado e pelo seu olhar pude perceber que ele se arrependeu. Ou imaginei isso. Por algum motivo, penso que quis tornar aquele homem mais humano imaginando esse tal arrependimento. Ele saiu do quarto, junto com a esposa, me deixando sozinho com Himchan desacordado e um silêncio estarrecedor.
Arrastei-me até ele, acariciando seu rosto e chamando pelo seu nome. Ele abriu os olhos, sorriu fraco e fechou, e eu soube que seria para sempre.
Seu funeral foi calmo, para não dizer vazio. Fui o único a arcar com as despesas, mas tive a ajuda de meus pais que, por mais incrível que pareça, me apoiaram naquela situação. "Preferimos você vivo", disse meu pai, rígido como sempre. "Mas tome cuidado, meu filho", completou minha mãe, com lágrimas nos olhos. Ninguém da família compareceu, algo que não me surpreendeu. O filho assassinado pelo o próprio pai, que agora estava preso. Era uma tragédia, sim, mas eu acredito que ninguém apareceu para não tomar partido. Ninguém aceitaria um filho gay, mas ninguém tinha coragem de admitir isso. Apenas alguns colegas do colégio que passaram ali para prestar condolências. A maior parte do tempo, ficamos apenas nós dois naquela sala. Eu admirando sua foto onde esbanjava aquele sorriso que me desestabilizava, e ele no caixão lacrado, seu corpo todo machucado.
Lágrimas escorreram pelo meu rosto e eu as limpei rapidamente. Minha mãe sempre dizia que uma pessoa nunca descansaria em paz enquanto sofressem por sua morte. E eu não ia sofrer pela morte de Himchan. Não iria lembrar de sua morte, apenas de quem ele era em vida.
Peguei um buquê de rosas brancas e coloquei diante do seu retrato. As rosas nos juntaram, mas eram elas que estavam nos separando.
♡
O senhor de oitenta anos segura um buquê de rosas brancas enquanto observa o céu estrelado através da janela. Ao seu lado, seu enfermeiro o encarava com um olhar curioso.
— Dias depois a irmã dele foi até minha casa, entrou sem ninguém perceber e deu um tiro nas minhas costas. — Yongguk continuou — Assim, fiquei preso a essa cadeira de rodas durante mais de sessenta anos.
O silêncio se instalou por alguns segundos.
— Sinto muito. — pronunciou o enfermeiro, cabisbaixo.
O senhor riu soprado.
— Não sinta. A verdade é que eu não a culpo por isso. Descobri meses depois que ela era apaixonada por mim e, além disso, sentia raiva de mim por ter destruído sua familia. Confesso que até eu sinto raiva de mim mesmo.
O rapaz o olhou entristecido.
— Sessenta anos depois, permaneço sentado nessa cadeira de rodas, imaginando como seria se ele estivesse vivo. — continuou — Se estaríamos juntos ou se iríamos para lados diferentes no meio do caminho. Gosto de pensar que ele estaria comigo, que viveríamos sem precisar nos esconder e que não seríamos assediados ou discriminados. Poderíamos viver livres. Talvez realmente pudéssemos. Quem sabe, não é?
O enfermeiro assentiu, sorrindo. Percebeu que Yongguk remexia no buquê.
— Rosas devem ser dolorosas para o senhor. — o rapaz supôs.
— Vivi um inferno durante muito tempo, meu jovem, mas não foi por ficar nessa cadeira de rodas. Eu seria capaz de amputar minhas duas pernas e meus dois braços se em troca eu o tivesse ao meu lado. Ter uma rosa em minhas mãos é como se eu estivesse acariciando seu rosto novamente. — e sorriu ao fechar os olhos, imaginando o sorriso de Himchan, sabendo que aquele sorriso seria seu último pensamento.
As rosas fizeram aquele homem amar incondicionalmente mesmo que por pouco tempo, mas depois o separou de seu amor. E agora, as mesmas flores estavam juntando-os novamente.
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Roses
FanfictionMesmo depois de sessenta anos, Yongguk jamais esqueceria o quanto Himchan gostava de rosas.