Capítulo 23

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Era setembro de 1885.

Salete ia à frente, os cabelos esvoaçando com o vento que vinha da enseada, o galope ritmado dos cavalos, os risos juvenis que preenchiam o ar, o brado vitorioso quando ela chegou à linha final e anunciou que era a vencedora da aposta.

E então o silencio que se seguiu, as risadas que se secaram na garganta e nos lábios de ambos. O vento que continuava a acariciar os campos.

Estêvão havia partido por nove meses e era da vontade de Jerônimo que ele não retornasse antes dos anos finais do curso de direito, mas era muito para ele, havia sido insistente o suficiente para que não lhe mandassem para Coimbra, prometera ao velho que cumpriria sua promessa de que não retornaria para casa antes do tempo, mas antes do final do primeiro ano do curso o desejo de retornar o corroia por completo e duas coisas veio a calhar para lhe aumentar a vontade: O curso era monótono e os colegas aborrecidos, os dias cinza do liceu lhe desalmava e não podia consigo mesmo pela vontade de vê-la. Voltou em tempo que não eram férias, e então a primeira das grandes odisséias aconteceu quando decidiu de um momento para o outro que não retornaria para a universidade.

Recordava do passeio pela enseada, a primeira vez que admitiu dentro de si o que já sabia há tanto tempo.

Eram lembranças que desfilavam por sua memória enquanto galopava rumo a Corumbá.

Não estava certo de que Ana aceitaria retornar com ele para Redoma de Ouro, não depois de tudo que tinha suportado, talvez fosse egoísta de implorar por ela, mas teria que ser egoísta pelo menos mais uma vez, era um homem quebrado e curvado diante das circunstancias da vida, mas acreditava ainda no que dissera a ela, na cachoeira, podiam se reconstruir juntos, talvez fosse dolorido erguer os construtos sobre o qual se firmar, mas a vida é assim, a vida sangra e tem pressa, nem sempre tudo é tão colorido e feliz para todo mundo, e nem sempre o certo e o errado estão delimitados, às vezes a única coisa que os separam é uma linha tênue que se misturam em certas ocasiões no decorrer do tempo.

Sem Ana estaria perdido pelo resto de seus dias, o que era sem ela? Um homem sem ter para o que ou quem voltar no final do dia, era metade. Ana era suas raízes, manias, os pequenos ladrilhos que brilham no silencio de qualquer vida anônima, as pequenas felicidades do dia a dia que se tornam memórias de uma vida. Era para, por ela e por meio dela que havia reunido forças para retomar o seu caminho, ela era o motivo pelo qual havia voltado a mover sua vida, sim, antes dela os dias deslizavam um após o outro em um ciclo sem fim e nem propósito, e então Ana quase que literalmente caiu em seu caminho, a princípio fora uma tormenta, mas com o passar do tempo, conforme sua companhia foi se tornando parte dos seus dias, de sua rotina, conforme se habituava a vê-la em suas manhãs e tardes, a ouvir sua voz e a esbarrar-se com ela pela casa, tornou-se algo maior que crescia silenciosamente dentro do peito.

Alguns amores florescem devagar com o passar do tempo e por isso se tornam sólidos de uma forma que não se pode mais arrancar do peito. Ana não poderia ser arrancada de dentro de seu peito jamais.

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Deus sabe o quanto Ernesto Duncan pagou por seus crimes.

O pior peso que alguém carrega certamente que é o de uma consciência culpada, vergava 54 anos sobre os ombros, 26 deles difíceis de carregar. Tivera uma vida mesquinha e insignificante, bem diferente do que tinha planejado em sua mocidade, os melhores anos de sua juventude gastou-os em amarguras sob as quais a possibilidade de construir alguma sombra de felicidade afundara-se por completo. Carregava o peso de estar sempre só.

A vida poderia ter tomado outro rumo se simplesmente tivesse parado e pensado em si próprio, viu de braços cruzados os anos passarem por ele, a cidade se transformando frente aos seus olhos que o tempo sulcou com as marcas da velhice, as pessoas ao seu redor seguindo os traçados do destino, até que restou ele só. Tinha uma irmã que costumava escrever sempre, morava a milhas, em Santos, casara-se cedo com um homem bem sucedido e constituíra bonita família, mas ele estagnara-se no tempo.

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