Cair no sono me ajudou a esquecer das dores que eu já mal lembrava de onde vieram. Minha perna parecia seca, morna e pesada. As leves cócegas me fazia querer mudar para o outro lado, mas algo me mantinha no lugar. Estava exausto demais para me importar, afinal, depois de conseguir o que eu buscava mesmo com tanto sufoco, nada mais me preocupava.
Abro minhas pálpebras pesadas para me situar um pouco. A escuridão daquele depósito de caixotes e mantimentos já era muito mais visível. Eu não tinha a menor ideia de quanto tempo eu estive imóvel nas sombras, acompanhado apenas da minha varinha, livro e uma figura à minha frente que segurava minha canela.
-Ah! –o grito vem tanto de mim quanto daquela figura, que se afasta e esconde longe de mim. No exato momento, sinto a dor quente do sangue voltar com o frescor de antes– Ai, que inferno!
E o silêncio se instala naquele cômodo abafado e quente entre eu e o desconhecido. Não tinha ideia alguma do que ou quem poderia ser aquilo. Um inseto ou uma besta que se alimente de sangue são minhas apostas, o que seria um extremo desconforto. Odeio sequer imaginar ter meu sangue ingerido que me sinto nauseado.
-Ilumine... –agarro com mais força minha varinha e aponto na escuridão até sua ponta acender uma suave luz branca que ilumina meu redor. O vulto tímido pôde ser visto se escondendo do feixe, mas não sem antes se revelar antes por um breve momento.
O mero vislumbre daquela forma fez meu coração disparar com o choque de que tinha exatamente o rosto de um humano, como eu. Parecia uma garota com os cabelos castanhos e curtos e uma notável mancha negra que atravessava seus olhos, como uma máscara. Não estava afim de conversas, apenas sibilar a cada pergunta que faço.
Quem é você? Está aqui desde quando? Onde está? Todas as perguntas não tinham respostas satisfatórias e quando ameaçava ir até o caixote onde se escondia, seu rosnado aumentava e eu parava no caminho. Sentia a sensação ruim de que ia pular em minha direção e atacar como um lobisomem raivoso.
-Tudo bem, eu fico aqui. – deixo a luz da varinha se esvair, nos colocando no escuro novamente.
O silêncio se quebrava quando, de repente, ouço o som de madeira sendo arrastada e passos chegando perto de mim. Com medo, me encolho em meu canto e cubro os olhos esperando pelo pior, mas nada acontece. Penso ser alguma magia paralisante que anulou minhas percepções, mas na verdade, não era nada disso.
A garota misteriosa estava muito próxima de mim, quase em cima. Suas mãos surpreendentemente fortes agarram minha perna e posso ver que emanavam um brilho pálido, quase igual ao da minha varinha. O lampejo ilumina sua face e, de fato, tinha a mancha escura atravessando os olhos, quase como uma besta. A mancha carmesim da canela do sangue seco começa a desaparecer, junto da fenda que volta a fechar.
-Uau...
-Não. –e usa um dedo livre para colocar rudemente sobre meus lábios, como um pedido de silêncio. Estava usando um feitiço sem varinha e, pelo que parecia, precisava de muita concentração. Não pude sentir nada além de surpresa e curiosidade. Por que essa desconhecida estava me ajudando do nada e como entrou aqui?
Quando me dou conta, a fenda estava fechada e o incômodo ao andar não existia mais. Estava nova graças à garota e eu nem tinha como responde-la.
-É... quem é você? –meu tom mais suave parecia ter acalmado e estava prestes a me responder depois de alguns gaguejos e grunhidos bestiais.
-Eu... –começa a dizer. Era mais rouca e grave que seu rosto mostrava.
-Sim, pode dizer.
-Você... eu. –comenta, apontando ao próprio rosto e depois as apoiando em minhas bochechas. Pelo visto, também tinha se impressionado com o quanto éramos humanos. – Kamnaet dei?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Céu Infinito
FantasyO mundo é nada mais do que um vasto céu sem sinais de seu fim. Seu chão e teto são nuvens que tornam a visão além delas algo impossível e misterioso. Neste grande vazio, diversas ilhas permanecem de pé no ar. Algumas com criaturas desconhecidas, out...