•Capítulo Oito

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Homens são como ovelhas. Aonde um vai, logo os outros vão atrás.
CRÔNICAS DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,
09 DE JULHO DE 1813

CRÔNICAS DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN,09 DE JULHO DE 1813

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Anastácia

De modo geral, pensou Anastácia , Jose estava encarando tudo aquilo muito bem. Quando Christian terminou de explicar o plano deles (com frequentes interrupções por parte dela, tinha que admitir), Jose havia levantado a voz apenas sete vezes. O que era cerca de sete vezes menos do que Anastácia esperava.
Finalmente, depois que ela implorara que ele segurasse a língua até que ela e Christian tivessem terminado a história, José deu um aceno discreto com a cabeça, cruzou os braços e apertou os lábios, ficando calado até o fim da narrativa. Sua cara feia seria capaz de assustar até as pessoas mais corajosas, mas ele manteve a palavra e ficou em silêncio absoluto até o final.
- E é isso - concluiu Christian. Todos ficaram quietos. Fez-se um silêncio absoluto. Por mais ou menos dez segundos, ninguém disse nada, embora Anastácia pudesse jurar que havia escutado os próprios olhos se mexendo nas órbitas enquanto se alternavam entre Jose e Christian.
Então, enfim, Jose perguntou:
- Vocês estão loucos?
- Achei que ele poderia ter essa reação - murmurou Anastácia.
- Estão completa, irrevogável e abominavelmente fora de si? - A voz de José virou um rugido. - Não sei qual dos dois é mais idiota.
- Quer falar baixo? - sussurrou Anastácia. - Mamãe vai escutar!
- Ela morreria do coração se soubesse o que estão tramando - retrucou Jose, em um tom mais baixo.
- Mas não vai ficar sabendo, não é? - disparou Anastácia.
- Não, não vai - concordou Jose, assumindo uma postura desafiadora -, porque esse plano de vocês termina neste instante. Anastácia cruzou os braços.
- Você não pode fazer nada para me impedir.
Ele inclinou a cabeça na direção de Christian.
- Eu posso matá-lo.
- Não seja ridículo.
- Homens já duelaram por muito menos.
- Homens idiotas!
- Permitam que eu interrompa - disse Christian baixinho.
- Ele é seu melhor amigo! - protestou Anastácia.
- Não mais - decretou Jose, as palavras marcadas por uma violência mal contida.
Anastácia se virou para Christian com ar irritado:
- Você não vai dizer nada?
Os lábios dele se abriram num meio sorriso divertido.
- E quando eu tive chance de fazer isso?
Jose se virou para ele.
- Quero você fora desta casa.
- Posso me defender antes?
- A casa é minha também - lembrou Anastácia, furiosa -, e eu quero que ele fique.
José fuzilou a irmã com o olhar, claramente exasperado.
- Muito bem - retrucou ele -, eu lhes dou dois minutos para expor seus argumentos. Nem um segundo a mais.
Anastácia olhou de forma hesitante para Christian, perguntando-se se ele iria querer usar esse tempo. Mas tudo o que ele fez foi dizer:
- Vá em frente. Ele é seu irmão.
Ela respirou fundo, colocou as mãos nos quadris sem sequer se dar conta do gesto e começou:
- Antes de mais nada, devo dizer que tenho muito mais a ganhar com esse plano do que o visconde. Segundo ele, eu serei útil para manter as outras mulheres...
- E as mães delas - interrompeu Christian.
- ... e as mães delas a distância. Mas, para ser sincera - prosseguiu Anastácia, olhando para Christian ao dizer isso -, acho que ele está errado. As mulheres não irão parar de persegui-lo só por acharem que ele está interessado em outra jovem... especialmente se essa jovem for eu. - E qual é o problema com você? - quis saber José.
Ela começou a explicar, mas então percebeu os dois homens trocando um olhar estranho.
- O que significa isso?
- Nada - resmungou seu irmão, parecendo ligeiramente encabulado.
- Expliquei a ele sua teoria sobre o porquê de você não ter mais pretendentes - contou Christian calmamente.
- Sei. - Anastácia apertou os lábios enquanto tentava decidir se era algo com que deveria ficar irritada. - Bem, ele poderia ter se dado conta disso sozinho.
Christian fez um barulho estranho que poderia muito bem ser uma risada.
Ela lançou um olhar penetrante para os dois.
- Espero sinceramente que meus dois minutos não incluam todas essas interrupções.
Christian deu de ombros.
- É ele quem controla o tempo.
José começou a apertar a borda da mesa com as mãos, provavelmente para não avançar no pescoço de Christian, pensou Anastácia.
- E ele - disse José de forma ameaçadora - vai acabar sendo atirado pela janela se não calar a boca.
- Sempre suspeitei que os homens fossem todos uns idiotas - resmungou Anastácia -, mas nunca tive certeza. Até hoje.
Christian sorriu.
- Descontando as interrupções - retrucou José, lançando mais um olhar furioso para o amigo enquanto falava com a irmã -, você ainda tem um minuto e meio.
- Muito bem - falou ela, dirigindo-se a ele. - Então vou resumir esta conversa a um único fato. Hoje recebi a visita de seis pretendentes. Seis! Você lembra a última vez que isso aconteceu?
José apenas a encarou inexpressivamente.
- Eu não lembro - continuou Anastácia, agora mais calma. - Porque nunca tinha acontecido. Seis homens subiram os degraus da entrada, bateram em nossa porta e entregaram seus cartões a Humboldt. Seis homens me trouxeram flores, conversaram comigo, e um deles até recitou uma poesia.
Christian se retraiu.
- E você sabe por quê? - perguntou ela, levantando a voz de novo. - Sabe?
José, com sua percepção um pouco tardia, ficou em silêncio.
- Tudo porque ele - prosseguiu ela, apontando para Christian - foi gentil o bastante para fingir que estava interessado em mim ontem à noite no baile de Lady Danbury.
O visconde, que estava apoiado de modo descontraído na beirada da mesa, de repente se empertigou.
- Ora - atalhou -, eu não colocaria as coisas dessa maneira.
Ela se virou para ele com o olhar impressionantemente firme.
- E como você colocaria?
Christian não conseguiu dizer muita coisa.
- Eu...
Ela o interrompeu e acrescentou:
- Porque posso garantir que aqueles homens nunca julgaram conveniente me procurar antes.
- Se eles são cegos - disse Christian, baixinho -, por que se importa com o que acham?
Ela ficou em silêncio e recuou um pouco. O visconde suspeitou que tivesse dito algo muito, muito errado, mas não teve certeza até vê-la piscando rapidamente.
Ah, que droga.
Então ela secou os olhos. Tentou disfarçar fingindo que estava tossindo e cobrindo a boca com a mão, mas Christian ainda se sentia a pior das criaturas.
- Veja o que você fez - acusou José. Fuzilando o visconde com o olhar, pousou a mão reconfortante no braço da irmã. - Não ligue para ele, Ana. É um idiota.
- Talvez - fungou ela. - Mas é um idiota inteligente.
José soltou um suspiro cansado.
- Você recebeu mesmo a visita de seis homens hoje?
Ela assentiu. - Sete, contando o próprio Clyvendon.
- E você estaria interessada em se casar com algum deles? - perguntou ele com delicadeza.
Christian percebeu que estava apertando as próprias pernas com força e obrigou-se a repousar as mãos sobre a mesa.
Anastacia assentiu novamente.
- São todos homens com quem eu já cultivara uma certa amizade. Só que eles nunca me viram como candidata a um romance antes que Clyvendon abrisse o caminho. Se tivesse a oportunidade, eu poderia desenvolver uma ligação com algum deles.
- Mas... - balbuciou Christian, depois se calou.
- Mas o quê? - indagou Anastácia, virando-se para ele com um olhar curioso.
Christian ia dizer que, se aqueles homens haviam notado os encantos de Anastácia apenas porque um visconde demonstrara interesse por ela, então eles eram idiotas, de modo que ela não devia sequer considerar a possibilidade de se casar com um deles. Mas, lembrando que o próprio Christian tinha argumentado que o interesse dele por ela lhe traria mais pretendentes... Bem, francamente, parecia que fazer essa observação seria dar um tiro no pé.
- Nada - retrucou ele, afinal, erguendo a mão como um sinal para que o ignorassem. - Não é nada.
Anastácia olhou para ele por alguns instantes, como se esperasse que mudasse de ideia, e então se voltou de novo para o irmão.
- Então reconhece que nosso plano é inteligente? - Inteligente pode ser um pouco exagerado, mas... - titubeou Jose, parecendo sofrer para admitir - posso entender por que você acha que pode ser beneficiada.
- José, eu preciso encontrar um marido. Além do fato de mamãe não sair do meu pé, eu quero um marido. Quero me casar e ter minha própria família. Quero mais do que você pode imaginar. E, até agora, ninguém aceitável pediu minha mão.
Christian não sabia como José poderia rejeitar o apelo daqueles olhos escuros. E, como era de esperar, ele se curvou sobre a mesa e soltou um gemido exausto.
- Muito bem - falou de olhos fechados, como se não pudesse acreditar no que estava dizendo. - Se é preciso, concordo com o plano de vocês.
Anastácia pulou e jogou os braços ao redor dele.
- Ah, José, eu sabia que você era o melhor dos irmãos. - Ela lhe deu um beijo no rosto. - Você só se equivoca um pouco às vezes.
Ele revirou os olhos antes de encarar Christian.
- Está vendo o que tenho que aguentar? - indagou, balançando a cabeça. Usou aquele tom de voz específico que só os homens colocados contra a parede entendem.
Christian riu ao pensar em que momento havia deixado de ser um sedutor perverso e voltado a ser um bom amigo.
- Mas tenho algumas condições - avisou José, fazendo Anastácia recuar.
Ela não disse nada. Apenas esperou que o irmão continuasse. - Em primeiro lugar, isso não sai desta sala.
- Combinado - concordou ela rapidamente.
José olhou para Christian.
- É claro - respondeu ele.
- Mamãe ficaria arrasada se descobrisse a verdade - completou José.
- Na verdade - murmurou Christian -, acho que Lady Steele até aplaudiria nossa engenhosidade, mas já que obviamente a conhecem há muito mais tempo, concordo com a decisão de vocês. José lhe lançou um olhar de gelo e continuou:
- Em segundo lugar, vocês dois não podem ficar sozinhos sob nenhuma circunstância. Nunca.
- Bem, isso vai ser fácil - disse Anastácia -, já que não poderíamos ficar a sós mesmo que ele estivesse de fato me cortejando.
Christian se lembrou do breve encontro dos dois no corredor da casa de Lady Danbury e achou uma pena não poder mais ficar sozinho com Anastácia, mas sabia reconhecer um obstáculo intransponível quando via um, principalmente quando esse obstáculo atendia pelo nome de Jose Steele. Então apenas assentiu e murmurou sua concordância.
- Em terceiro lugar...
- Terceiro? - perguntou Anastácia.
- Haveria trinta condições se eu conseguisse pensar em tantas - resmungou Jose.
- Muito bem - assentiu ela, parecendo muito magoada. - Se é isso que quer...
Por uma fração de segundo, Christian achou que Jose seria capaz de estrangulá-la.
- Do que está rindo? - indagou o amigo.
Foi só então que o visconde percebeu que deixara escapar uma risada.
- De nada - retrucou ele rapidamente.
- Acho bom - falou Jose -, porque a terceira condição é a seguinte: se alguma vez, uma única vez sequer, eu flagrar você em algum comportamento que a comprometa... se algum dia pegá-lo beijando a mão dela sem um acompanhante, arrancarei sua cabeça.
Anastácia piscou.
- Não acha que está sendo um pouco exagerado?
Jose olhou friamente para ela.
- Não.
- Ah.
- Clyvendon?
Christian não teve escolha além de assentir.
- Muito bem - retrucou Jose asperamente. - E agora que terminamos, você pode ir embora - disse ele, acenando com a cabeça na direção de Christian.
- José! - exclamou Anastácia.
- Suponho que isso queira dizer que estou desconvidado para o jantar desta noite - disse Christian.
- Isso mesmo.
- Não! - Anastacia deu um soco no braço do irmão. - Ele foi convidado para o jantar? Por que você não me disse nada?
- Isso foi muito antes dessa confusão toda - resmungou Jose.
- Foi na segunda-feira - informou Christian.
- Bem, então você deve se unir a nós - decretou Anastácia. - Mamãe ficará encantada. E você - completou, cutucando o braço de José -, pare de pensar em formas de envenená-lo.
Antes que seu irmão pudesse responder, o visconde descartou a observação dela com uma risada.
- Não se preocupe comigo, Anastácia. Não esqueça que estudei com ele por quase dez anos. Ele nunca compreendeu os princípios da química. - Eu vou matá-lo - disse Jose a si mesmo. - Antes do final desta semana, vou matá-lo.
- Não vai, não - falou Anastácia despreocupadamente. - Até amanhã, os dois já não se lembrarão mais disso e estarão fumando charutos no White's.
- Não tenha tanta certeza - afirmou José de forma ameaçadora.
- É claro que estarão. Não acha, Christian?
O visconde analisou o rosto do melhor amigo e notou em seus olhos algo que nunca tinha visto. Algo sério.
Seis anos antes, quando Christian deixara a Inglaterra, ele e Jose eram garotos. Na época, pensavam que eram homens. Iam a cassinos, a bordéis, e frequentavam eventos sociais com toda a arrogância típica da idade, mas agora as coisas eram diferentes.
Agora eles eram homens de verdade.
Christian sentira a mudança por que passara durante a viagem ao redor do mundo. Fora uma transformação lenta, ocorrida com o tempo, conforme ele enfrentava novos desafios. Mas agora se dava conta de que havia retornado à Inglaterra ainda pensando em José como o garoto de 22 anos que deixara para trás.
Percebeu que errara ao não se dar conta de que o amigo também crescera. Jose tinha responsabilidades com as quais Christian nem sequer sonhara. Tinha irmãs para orientar, e para proteger. Christian tinha um viscondado, mas Jose tinha uma família.
Essa era uma diferença significativa entre os dois, e Christian viu que não podia culpá-lo por seu comportamento superprotetor e de certa forma teimoso.
- Eu acho - disse Christian lentamente, enfim respondendo à pergunta de Anastácia - que seu irmão e eu somos muito diferentes do que éramos quando eu saí do país, há seis anos. E desconfio que talvez isso não seja algo ruim.

The viscount's secrets  [C O N C L U Í D A  ]Onde histórias criam vida. Descubra agora