Capítulo XVII ● Youngjae

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— Você não estava no refeitório hoje, não comeu? — Pergunto a Jaebeom, que está sentando na minha escrivaninha escrevendo algo desde a hora em que chegamos em casa depois da escola. Eu me encontro deitado na cama, de ponta cabeça, sentindo o sangue chegar no meu cérebro antes de qualquer outro lugar, por motivo nenhum além do tédio. SonHee não foi nos buscar na escola hoje, ficou até mais tarde no trabalho organizando as coisas que se acumularam enquanto ela não ia trabalhar, por isso Jaebeom e eu viemos a pé, em silêncio, porque ele não falou nada e eu não quis falar nada também.

Nem meu pai e nem SonHee chegaram ainda, Jaebeom e eu estamos sozinhos em casa, responsáveis por fazer qualquer coisa para passar o tempo, tudo, menos incendiar a casa ou matar um ao outro, mas não tem nada para fazer, nada mesmo. Eu já tinha terminado meus deveres, até os que eu não tinha feito na semana em que faltei na escola, e agora só estava aqui, deitado, pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo, enquanto ouvia Jaebeom escrever seja lá o que for.

— Almocei na biblioteca. — É só isso que ele diz, sem muita emoção, automaticamente, como um robô. Eu franzo as sobrancelhas, confuso.

—Não é permitido comer na biblioteca.

— É, eu fiquei sabendo depois. — Ele comenta como se não fosse nada, e algo no tom que ele usa me faz rir. Não espero que ele fale mais do que isso, acho que estava me acostumando com seu silêncio diário. Porém, surpreendentemente, eu escuto a cadeira onde ele está sentando fazer barulho, e então sinto os olhos dele sobre mim. — É normal uma pessoa nova na escola ser obrigada a fazer um trabalho e entregar ele no mesmo dia, sendo que o resto da turma teve meses pra entregar?

— Depende do professor que passou o trabalho, qual o nome dele?

— Yin alguma coisa, é de álgebra. — Pobre Jaebeom, também tem aula com o capeta. Suspiro, compadecido com sua dor, pois passei pela mesma quando entrei na turma de álgebra ano passado, então entendo ele muito bem.

— Você teve o azar de cair justo na sala do capeta incorporado. Sendo quem ele é fico surpreso de ele ter te dado o resto do dia, porque quando eu entrei na turma dele, ele me disse que o prazo era até o fim da aula.

— Ele fez o mesmo com você? —Balanço a cabeça afirmativamente e fico meio tonto por ainda estar de ponta cabeça. Jaebeom suspira, largando alguma coisa na escrivaninha, pelo som que o objeto faz ao tocar na madeira, creio que seja um lápis ou uma caneta. — Você conseguiu entregar?

— Claro que não, eu odeio álgebra! —  Faço careta, me lembrando da matéria e de todos as lágrimas que já derramei por ela. — Fiz a segunda chamada, junto com as pessoas que não fizeram o trabalho e as que não conseguiram nota o suficiente pra passar nele. — Recordo-me daquele dia, foi horrível, todos os alunos desesperados, alguns sem saber nada da matéria, e o Sr. Yin ainda fez questão de colocar um relógio em cima da mesa dele, marcando o tempo e fazendo com que cada Tic Tac matasse um neurônio dos alunos por vez. — Você conseguiu entregar o seu?

— Sim, um cara da minha turma me ajudou, por isso eu almocei na biblioteca, estava terminando de fazer o trabalho. — Ele explica calmamente, com a plenitude de um monge budista. Era engraçado a forma como eu começava a entende-lo, agora sabia que ele falava, mas isso dependia do momento e da pessoa com quem ele se encontrava. Ele tinha se fechado, e por ora não deixava ninguém entrar, mas de tempos em tempos ele dava uma brecha, e essa brecha ficava aumentando, cada vez com mais frequência, e eu sei que é nela que eu tenho que me focar para ajuda-lo, porque ele quer ser ajudado, só não sabe como.

— Então você fez um amigo novo?

— Não diria que é um amigo, mas ele se ofereceu para ajudar, então...

— Então ele é um anjo. — Completo a frase, e por incrível que pareça Jaebeom ri, e eu gosto do som da risada dele, ela aquece meu coração, como chocolate quente em noites frias. Traz paz, conforto, plenitude, me faz querer ouvir mais vezes. —  Como ele se chama? 

— Jinyoung. — Tento me lembrar de onde conheço esse nome, mas nada me vem a mente. Sei que já ouvi falar nele em algum lugar, mas não sei quando, onde, porquê.

— O nome não me é estranho.

— Pelo que vi ele parece ser bem popular na escola, muita gente parou pra falar com ele enquanto a gente ia para a biblioteca. — Um Jinyoung popular? de onde vem esse nome? Jinyoung... Jinyoung... Jinyoung...

— PARK JINYOUNG! — Caio no chão com o sobressalto da lembrança, de cabeça, sentindo tudo e nada ao mesmo tempo. Cair faz meus sentidos irem embora momentâneamente, fico perdido, atordoado, eu odeio cair por culpa disso. Além de machucar, quando eu caio, mesmo que seja uma quedinha boba e inofensiva, eu me perco no escuro.

— Você tá legal? — Sinto as mãos de Jaebeom tocando meu corpo, frias, elas parecem sempre estar assim. Ele me ajuda a levantar, preocupado, e eu me apego em sua voz para me realocar e trazer meus sentidos de volta. Ele me senta na cama e eu fico lá, sem falar nada, só sentindo minha cabeça latejar e começar a doer. Sei que ele me observa, quer uma resposta, mas não sei se consigo falar ainda. — Você está me assustando! Por que não fala? Quer que eu te leve no hospital? Você tá morrendo? AI MEU DEUS VOCÊ TÁ MORRENDO?

— Sim... — Escuto ele começar a andar de um lado para o outro, completamente nervoso, e então eu começo a rir. — Todo mundo está morrendo desde o dia em que nasceu.

— Youngjae! — Ele se joga na cama, sinto o solavanco quando ele o faz, e suspira bem alto, aliviado, o que só me faz rir mais ainda. — Eu quase tive um ataque cardíaco aqui, sabia? quase que eu morro!

— Eu só cai da cama e bati a cabeça, não vou morrer.

— Meu tio caiu da cama uma vez e sabe onde ele está agora? isso mesmo, MORTO!

— Ele morreu porque caiu da cama? — Paro de rir e Jaebeom se senta do meu lado, inspirando e expirando, provavelmente para se acalmar.

— Não, ele foi atropelado por um carro, mas esse não é o ponto.

— É sim.

— Não é, você poderia mesmo ter morrido.

— Mas não morri.

— MAS PODERIA! — Ele dá um gritinho e se joga para trás na cama novamente, e pela primeira vez desde que o conheci, eu noto que ele é realmente filho da SonHee, mesmo que nem ele note isso ainda.

— Mas a queda me fez lembrar de algo.

— O que?

— Eu conheço seu amigo, eu conheço Park Jinyoung. — Sorrio, da forma mais travessa que consigo, porque eu conhecia sim Park Jinyoung, mas outra pessoa conhecia ele melhor ainda. Kim Yugyeom, você já era.

Blind • 2Jae (HIATUS) Onde histórias criam vida. Descubra agora