O sol ainda estava meio fraco, era agradável a iluminação suave e o leve calor que entrava pelas frestas das janelas altas do ginásio da escola. Cadeiras de plástico e metal estavam alinhadas em fileiras voltadas para o palco usado para as formaturas que estava montado, elas estavam separadas em dois grupos, um para os adolescentes da escola e outros apenas para jornalistas. Ela apenas estava sentada na fileira do alunos, que era bem afetada pelos raios de sol da manhã, o dourado claro deles era a única cor do grande espaço e mesmo com seu leve calor, já indicava um dia de verão quente, mas eu tinha certeza que todos sentiam uma sensação fria de vazio.
As roupas das pessoas que estavam no local tinham todas uma coloração escura, não apenas preto, porém eram uma paleta de cores sombrias e discretas. Até os jornalistas, junto com suas câmeras profissionais. E isso exibia o profundo luto em que Suruva se encontrava. Nem todos estavam sentados, na verdade muito poucos, alguns se amontoavam em grupos que faziam um som ambiente de sussurros ecoando pelo lugar. Mas, a maioria evitava olhar na direção do palco, onde uma foto de Raul descansava ao lado de uma coroa de flores, que era um total desrespeito com os pais, visto que ele estava como desaparecido, não tinha sido decretado morto. Sophia apenas encarava o quadro na sua frente.
Mas, com a relevância que o caso tinha ganhado, o sensacionalismo de aluno querido perdido da escola era gigante. A menina nem como não alugaram um caixão vazio para assumir que isso é praticamente um velório de vez. Ela apenas balançou a cabeça enquanto mascava um chiclete de melancia para tentar expulsar o gosto amargo que invadia sua boca só de pensar no teatro que estava por vir. Raul já havia sofrido bullying e todos os funcionários daqui haviam ignorado, amigos que ele tinha eram poucos, mas ninguém vai saber disso. Eles não querem deixar. Logo sentiu uma presença e viu um vulto se sentar ao meu lado, Nathan.
— Você se sente pior ou melhor com todo esse teatro? — ele perguntou apoiando o cotovelo na cadeira e tirando um pirulito redondo e vermelho da boca, pois é, não era só ela que estava com um gosto amargo hoje.
— Me sinto pior, credo. Não estariam fazendo nada disso se ele não tivesse ficado famoso na internet, poxa, ele virou até creepypasta. — falou direcionando seus olhos para o garoto ao seu lado, ele sorriu de lado.
— Não fizeram isso para Ana quando ela desapareceu da mesma forma que ele a dois anos atrás. — ele suspirou encarando a foto agora. — Vão usar o nome dele para se aparecer até o quanto puderem, é isso que me dá raiva. — ele riu sem alegria, e com os olhos cerrados de uma forma irritada.
Ela era a namorada de Nathan, que misteriosamente tinha sumido de uma forma estranhamente muito semelhante com a de Raul. Haviam muitos boatos em volta dessas mortes, alguns místicos de mais para serem reais, a maioria das pessoas era cética tal como Nathan e Sophia.
— Quanto tempo leva até desenterrarem o caso da Ana? — questionou a menina com uma sobrancelha arqueada.
— Do jeito que vai é pouco. Esses urubus estão dispostos a tudo. Mas, eu já chorei tanto pela Ana que agora só estou irritado com tudo isso mesmo. Já que vão se meter nisso espero que encontrem alguma resposta que a polícia não quis ou não conseguiu encontrar. — Nathan suspirou e se afastou da garota indo sentar em uma cadeira da parte de trás.
— Eu também... — ela mordeu lábio de nervosismo, respondendo quase em um sussurro para o garoto que já tinha se distanciado.
O barulho de passos de um salto sofisticado subindo no palco chamou a atenção. Diretora Cíntia. Ela caminhou elegantemente com sua saia, blusa social e escarpam preto, até o microfone ao lado do quadro de Raul. Seu cabelo loiro estava preso em um coque e mostrando a maquiagem forte que ela sempre usava. Vendo que ela iria começar a falar algo, todos se apressaram para tomar seus lugares. Sophia desejava mas que tudo que a Mari, sua melhor amiga estivesse lá.
Não podia culpá-la por sua ausência, sua vó estava muito doente, certos dias ela tinha que faltar para ficar com ela no hospital. Mas, não podia deixar de nutrir esse sentimento egoísta, e quando lembrava de todo o apoio que recebeu de Mariana quando Raul sumiu, se sentia com um peso imenso nas consciência. A diretora colocou os óculos, absolutamente sem ninguém saber o porquê, já que não tirou nenhum papel para ler.
— Bom dia, alunos do Carolina — disse a loira olhando para o lado onde estavam os alunos. — profissionais que vieram — sua fala foi cortada seguida de um barulho irritante e ensurdecedor.
O microfone estava com algum problema, a diretora ficou tão vermelha que dava para ver mesmo com as tantas camadas de pó e base na cara. O professor de matemática, que estava na fileira dos alunos, foi correndo ajudar a professora de português, que cuidava da situação até então, a arrumar a caixa de som. Maldito dia que o professor de informática tinha de faltar. O sons intermediavam entre gritos horríveis e agudos de mais que machucavam as orelhas. O professor de filosofia que estava gravando tudo, fez uma careta.
— Mas, que desastre... — sussurrou Sophia para si mesma.
Depois de muito sofrimento dos ouvidos de todos e do professor de matemática e da de português, eles conseguiram arrumar. A diretora retomou a compostura, e se preparou para terminar o que tinha começado a falar antes de ser interrompida.
— E para os profissionais que estão aqui, continuando. — ela engoliu seco. — Hoje vamos fazer a homenagem a uma grande perda que tivemos recentemente... Raul Klein. — ela apontou para a foto dele ao seu lado.
A professora de português aumentou uma música dramática, que ao invés de tocar o coração das pessoas deixava tudo bem brega.
— Enfim, vamos apresentar a homenagem de alunos e professores hoje. Começando, vou chamar Laura Oliveira. — Cíntia falou e uma garota de cabelos ruivos e cheia de sardas no rosto subiu no palco.
Nem Sophia conhecia essa garota, duvidava muito que Raul conhecesse. Ela fez um discurso falando coisas básicas sobre ele, que qualquer um sabia. Todos percebiam que não se conheciam bem. Outros alunos foram sendo chamados, a maioria Sophia nunca tinha nem conversado. Os discursos sempre começavam com: "Eu não o conhecia muito bem, mas...". Porque alguém chamaria para discursar alguém que não conhece muito bem a pessoa??? Ainda tinha uma música dramática de novela do SBT de fundo.
Sophia estava quase se matando ali mesmo, ou fingindo um desmaio para não ter que ver aquilo nunca mais. Era muito ridículo, eles queriam apenas se aparecer, não importava se não sabia nada. Até que algo inesperado aconteceu.
— Sophia Andrade, a melhor amiga de Raul, por favor venha ao palco. — diretora Cíntia chamou.
Ela apenas arregalou os olhos, com vontade e sair gritando com os braços erguidos. Ela não queria fazer parte desse teatro, não queria que os holofotes estivessem nela. Mas, a diretora os colocou. Os jornalistas todos se viravam para ela e olhavam através das lentes de suas câmeras ligadas. Mesmo com uma chama de raiva ardendo forte dentro dela, ela apenas foi até o palco com os punhos fechados e andou em direção a diretora.
A mulher apenas abraçou ela e começou a falar.
— É triste estarmos aqui nessa situação, perder um garoto tão jovem. — começou a diretora com o discurso mais clichê que poderia decorar.
"Ele não foi declarado morto." pensou Sophia, revirando os olhos. Quando fez isso, em sua visão periférica ela viu alguém de costas lá atrás, perto da porta. Se esforçou para ver melhor, era um menino alto e loiro. O cabelo estava bagunçado e as vestes eram surradas e velhas. Ele se virou de cabeça baixa e andou até aonde as cadeiras estavam.
Sophia era incapaz de tirar os olhos do garoto. Algo nele atraía seu olhar como um imã. A diretora continuava discursando coisas que a garota nem ouvia mais e os jornalistas tiravam fotos delas. Entre cada flash, o garoto ia levantando a cabeça lentamente e chegava mais perto. Ninguém além dela parecia estar vendo ele. Até que ela viu seu rosto, ela o reconheceria em qualquer lugar. Era Raul. Os olhos dela se arregalaram e seu queixo caiu. Ele abriu os olhos que estavam totalmente negros, e deu um sorriso, que antes era acolhedor para Sophia, mas agora, era maligno, com os dentes sujos de sangue Raul. Tudo que vinha daquela imagem eram maligno, não podia ser o amigo dela.
Ele colocando o dedo indicador na frente da boca pedindo silêncio foi a última coisa que ela lembra ter visto antes de de desmaiar nos braços da diretora.
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Alma
Mystery / ThrillerNa pequena e interiorana cidade de Suruva, no interior do Sul, que geralmente vira chacota por ter seu nome confundido com Suruba, um adolescente desaparece misteriosamente após postar coisas estranhas em suas redes sociais. E esse último fato faz o...