É normal querer ser princesa?
Eu sei que minha coroa é de papel, que meu vestido é de plástico e que meus sapatos são na verdade meus simplórios pés descalços e que também, meu palácio é uma cabana.
Não tenho o que dar ao meu povo. Somente a esperança que eles se lembrem de mim em suas memórias. O único jeito de me manter viva é assim. Não me lembro quem me disse isso, a dor não permite.
Ela é tão forte...
É difícil escrever...
Minha caligrafia é feia e mal consigo diferenciar se xícara é com X ou CH.
Você deve estar rindo disso, não é? Por favor diga que está. Seria muito bom ouvir, pelo menos risos imaginários quando só tenho choros reais. Não quero choro. O meu é o suficiente.
Minha mamãe me contou o que eram as máquinas, sempre fui fascinada por elas. Ela me disse que eram sustentadas por pilhas e que ganhavam a vida por baterias.
- "Minhas baterias estão acabando, mamãe?" - Eu havia perguntado. Lembro-me das lágrimas e de seu sorriso triste. Acho que devo ter falado algo errado, não queria deixá-la triste. Mas meu pai estava ao seu lado, eles saíram da sala, mas eu pude ouvir seus soluços.
Estou tremendo agora, isso é normal?
Meus sonhos são tão simples, quero ver o pôr do sol, nunca tive a oportunidade. Mamãe me levou na colina ontem e eu vi. EU VI!
É lindo, sabe? Acho que chorei, minha visão ficou embaçada em certo ponto.
Meu pai uma vez me disse que meu coração era tão honesto que chegava a ser transparente como um vidro, ele riu disso e eu também. Mas eu me pergunto agora o porque desse vidro estar ficando embaçado.
A minha visão está embaçada.
É diferente o jeito como o povo é dividido. Será que a dor melhoraria se eu tivesse um pouco mais? Isso é tão egoísta.
Não gosto dessa realidade, por isso sou uma princesa.
É tudo tão bonito.
O engraçado é que, o que antes era colorido e lindo, está ficando cada vez mais escuro.
Tenho medo do escuro, mamãe. Não me deixe ir lá, por favor.
É normal sentir medo. Mas esse é um medo que não quero sentir.
Ultimamente não vejo somente a escuridão, no meio dela há luz e ela é bonita.
Minha coroa não consegue disfarçar minhas cicatrizes, mas meu povo não liga. Eles são tão gentis comigo.
Quero fazê-los rir, você sabe uma piada?
Meu pai me contou uma vez, mas eu achei muito feio o passarinho roubar um bebê de Deus. Mas agora eu entendo o porque ele faz isso, ele traz felicidade e espero que meus pais recebam um também assim que Deus estiver ao meu lado.
E eu quero ver isso acontecer.
Não consigo escrever mais, mamãe. Me perdoe por não dizer adeus. Saiba que verei tudo lá de cima, tudo bem?
Não chore mais por mim, me dê um sorriso. Um bem grandão.
Sentirei saudades de vocês e do meu povo também.
Minha coroa de papel estará do lado da cama, meu vestido de plástico no armário e meus sapatos na porta. Quero vesti-los na hora. Ficarei tão bonita.
Acho que preciso parar, minhas mãos estão tremendo ainda mais, não quero que fique feio.
A luz está vindo, mamãe. Não se preocupe com ela, é linda, estarei segura lá.
Sua pequena princesa estará sempre contigo, nunca se esqueça.
Queria te dar meu coração, papai. Mas o vidro está rachando, não quero que corte seus dedos.
Eu amo vocês, viu. Um tantão assim!
Muito obrigada meu povo! Por tantos anos de companhia. Espero que alguém conserte o seu olho esbugalhado, Annie e coloque seus algodões para dentro, Príncipe Miguel.
Não posso levá-los.
A aventura da princesa, dessa vez, é sozinha.
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Paper Crown
Short StoryInspirada na música Paper Crown de Alec Benjamin. Somente uma breve história contada por alguém de menos de 13 anos dizendo aos seus espectadores especiais o quanto seria maravilhoso ser uma princesa, a princesa deles. O quanto ela sentirá falta daq...