I.III.III

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Aquela viagem estava demorando para sempre, o pequeno duque dormia calmamente com sua cabeça apoiada no colo de Devon, o que poderia fazer se seu mordomo era um perfeito travesseiro e aquela viagem já levava mais de um dia? Não estavam sozinhos na carruagem, os quatro empregados mais habilidosos da mansão haviam vindo também: Karin, a empregada, Luke, o cozinheiro, Justin, o jardineiro e Lisa, a tutora particular do jovem mestre. O jovem duque insistira para que Karin e Luke fossem na mesma carruagem que ele e Devon, mas agora os dois estavam completamente desconfortáveis enquanto um Devon completamente alheio velava o sono de seu jovem mestre com um sorrisinho satisfeito enquanto o pequeno o usava de travesseiro, aquilo não era certa falta de etiqueta entre ele e o jovem mestre? Ele era só um mordomo há final... Tudo bem, talvez admitissem sentir ciúmes da proximidade dos dois, há final, por quê somente Devon podia se aproximar do jovem mestre? O conheciam há muito mais tempo que ele... Conheceram o jovem mestre ainda pequenininho, quando ainda era apenas um bebezinho que vivia grudado em seu irmão mais velho, antes do sequestro, antes da tragédia...
A memória daqueles dias ainda estava encravada no fundo da alma do pequeno duque, até mesmo em seus sonhos ainda era capaz de ver aquele homem e seu sorriso nojento, suas palavras doces que insistiam em levá-lo a uma terra mística aonde nunca iria sofrer e ficaria junto de seu irmão mais velho para sempre, e então o sorteio, e as mentiras se desfazendo em frente de seus olhos... Devon foi o primeiro a perceber que o jovem duque estava tendo um pesadelo, ele não se debatia nem chorava alto, mas encolhia o corpo como se tentasse se proteger e chorava em silêncio, era difícil de dizer, mas Devon já vira aquilo vezes demais para saber com o quê o pequeno duque sonhava.

- Está tudo bem, bocchan... - Devon sussurrou baixinho, apenas alto o sulficiente para que a criança em seu colo o ouvisse enquanto cuidadosamente acariciava os fios brancos do pequeno duque - ... É só um sonho ruim, eu estou aqui protegendo você...

- Devon? - Karin chamou - O que está murmurando?

- Bocchan está tendo um pesadelo... - Devon voltou seu olhar para o pequeno que acordou de uma vez só, os olhos arregalados cheios de lágrimas e as bochechas vermelhas, ele o trouxe para perto com cuidado - ... Está tudo bem, bocchan, estamos todos aqui com você, não precisa ter medo...

- D-Devon...

- Estou aqui, bocchan, você está seguro... Um sonho ruim?

- O sonho ruim... - O pequeno duque o corrigiu - ... Aquele outra vez... Sobre aquele homem...

- Eu sei, bocchan... Já estamos quase na cidade, são por volta de seis horas.

- Então já ia me acordar, eu suponho?

- Esperava não ter de acordá-lo até chegarmos ao nosso destino, mas suponho não haver problema.

- Bem, ao menos agora não estou com sono... Mas quero acabar com essa bobagem de uma vez.

- Devo investigar de uma vez?

- Nah, se for um deles mesmo eu quero lidar com isso pessoalmente, e se for o caso, você é capaz de me proteger?

- Se me ordenar eu o farei, bocchan.

O jovem duque concordou discreto e se aproximou da janela, abrindo as cortinas apenas para tomar um susto com uma caveira, pendurada à entrada da cidade, carbonizada. O jovem duque voltou a se sentar ao lado de seu mordomo tentando disfarçar o susto que levara e ficou quieto pelo resto da viagem, não se sentia perturbado, mas se perguntava mentalmente quem tivera a brilhante idéia de pendurar aquilo no portão, se estão matando pessoas, não deveriam no mínimo se esconder? E por quê ninguém em toda a cidade avisou a essa pessoa que estava fazendo algo idiota? Se bem quê... Estava ali por conta de julgamentos de bruxas, já deveria esperar que ninguém naquela vila estivesse em sã consciência de suas açães estúpidas. Logo a carruagem parou, havia um grupo de pessoas em volta da carruagem bloqueando o caminho e carregando tochas e forcados, um deles pisou a frente do grupo, tocha em fogo alto em mãos e vestido como um caçador de bruxas do século XVIII, ele dirigiu a palavra ao cocheiro.

- Em nome da santa igreja, quem traz à nossa abençoada cidade irmão?

- Trago o Jovem duque de Henriette, herdeiro da família Everfree, e seus servos.

- Um nobre? Pois peça ao seu mestre que desça e apresente-se à nossa inspeção, a entrada de forasteiros nessa cidade não é permitida antes de checarmos se há um bruxo ou bruxa presente em sua companhia.

- Pois bem - Devon abriu a carruagem com um sorriso - Devemos ir à pé há partir daqui, bocchan, é mais prático com toda essa multidão.

- Muito bem - O garotinho desceu da carruagem seguindo seu mordomo e sua aparição foi seguida de exclamações vindas da multidão, o que fez o jovem duque revirar os olhos - Você é quem está fazendo os julgamentos de bruxas? Enviaram-me para ajudá-lo... Mais ou menos, na verdade me mandaram para salvar as pobres inocentes que andam sendo assassinadas sem razão. Você sabe ler senhor?

- Sei, li "o martelo das bruxas", é por essa lei que julgo.

- É o caçador e o juiz?

- Bem, não, há também um anjo na igreja, ele julga... És um anjo também, não é?

- Não - O jovem duque respondeu ríspido, apenas ouvir a palavra "anjo" o fazia se agitar - Não posso afirmar tal coisa.

Devon abriu caminho pela multidão para que seu mestre e os outros empregados pudessem passar, não havia resistência alguma, mas mesmo assim o pequeno duque segurava a manga de seu servo firmemente em uma mão e mantinha a outra no cabo de sua espada, segurava tão firme que a ponta de seus dedos estavam brancas, teria que aguentar ouvir aquela palavra de novo e de novo naquele lugar, queria voltar para casa de uma vez ou arrancar a cabeça daquele caçador de bruxas idiota, mas não podia fazer nenhum dos dois, não ainda. O pequeno duque correu seus olhos através da multidão, logo avistando de relance o mover de algo como asas brancas pela janela da capela fechada da cidade, conhecia aquela capela, conhecia aquele vilarejo... Estavam perto do túmulo de seu irmão mais velho que o jovem duque tanto amava.

"Build it up with silver and gold,
Silver and gold, silver and gold,
Build it up with silver and gold,
My fair lady."

O pecado dos anjos - Uma nova história de KuroshitsujiOnde histórias criam vida. Descubra agora