Prólogo

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Costumo dizer que a mágica está nos olhos de quem vê, como a beleza e também a arte, igual a tudo o que é singular demais para ser absorvido de uma só maneira pelo público como um todo. Para alguns, a mágica é o acaso de conhecer sua alma gêmea em um lugar inusitado; aos olhos de outros, é a cura de uma doença rara, por vezes mágica é confundida com fenômenos naturais, o oculto, o maléfico e satânico, mas isso é exagerar demais, e para aqueles mais céticos, não passa de uma palavra usada para intensificar o caráter sortido de alguns eventos da vida. A mágica, meus caros, não passa de um truque, uma ilusão. Para trabalhar com o mágico basta se doar à performance e fazer com que o público se doe à crença do fantástico, e não estou dando aqui dicas para iniciantes nem falácias para os mais ingênuos, não, o que digo, podem constatar depois de muita prática, é a mais pura verdade. Não importa quão grandioso ou ensaiado seja o truque, para que a mágica se torne real, o público precisa acreditar nela.

E agora que estamos falando de prática, meus fãs me conhecem como Mr. Kim, parte do trabalho de um mágico é também manter o mistério e isso eu faço muito bem por anos com a minha identidade, nunca deixando escapar demais, temo que esta seja uma chave crucial para que meu público não perca o interesse, não desvie o foco. Os olhos têm que sempre estar na mágica e não no mágico.

Carrego um baralho de cartas no meu bolso desde que era moleque, não consigo ao menos me lembrar do ano. Claro que não é o mesmo, com o tempo fui sofisticando meu trabalho, minha arte, meus truques... A mágica tem que evoluir junto com o público, não junto do mágico, este tem que acompanhar aqueles que quer impressionar, a quem a ilusão tem que ser direcionada, mas ultimamente, isso nem é tão difícil. As pessoas veem o que querem ver, elas acreditam no confortável, se apegam e se acomodam rápido — não estou reclamando, isso apenas facilita minha arte.

Tendo dito isso, acrescento que a performance não se resume a um palco, com luzes e aplausos fortes (aplausos são o salário de um mágico), mas sim ao talento de quem consegue entreter os espectadores com pouco, isso é uma performance bem elaborada. Você pode prender a atenção das pessoas no meio de uma praça com um simples jogo de baralho, de repente tudo o que elas veem é você. Também têm isso que eu chamo de "Transe do Entusiasmo" que é este pequeno e precioso espaço de tempo onde você pode aproveitar o choque do público ao testemunhar o fim da mágica, em como surpresos e estupefatos todos estão, eles nem sequer prestam atenção em mais nada enquanto buscam na memória brechas que deixaram passar ao serem tão belamente enganados por um simples truque. Essa adoração presente no semblante — já que os aplausos são o salário — é o pão de cada mágico, o que os alimenta. Infelizmente, não posso dizer que provei dessa fartura muitas vezes na vida, mas para falar a verdade, nunca fui muito faminto, e o desejo de me esbaldar também nunca tive, passei bem longe do pecado da gula já que é no Transe do Entusiasmo que eu me aproveito.

Em minha defesa, muita prática com as cartas deixas suas mãos... soltas, e digamos que eu tenha muitos truques. O truque do escondi a carta no seu bolso e sem querer peguei seu celular, ousado, arriscado, deu errado poucas vezes, apesar disso. Tem também o feche os olhos que eu tiro seu colar e você nunca mais o vê, ou o vê numa banquinha sendo vendido mais barato. Escolha uma carta e perca as chaves do seu carro. Onde está a carta e sua carteira? E o infalível: "Desculpa, esbarrei em você, quer ver um truque de mágica? Perdeu seu relógio há dois segundos atrás!".

Isso é mágica. Mas não quero me gabar, nem eu mesmo que vivo de enganar pessoas com simples ilusões sou capaz de dizer o que é real ou falso, então nem me comprometo com isso. A beleza da minha vida se encontra em nunca superestimar meus dons, eu não me arrisco muito, sabe. De cidade em cidade, conhecendo gente rica e perigosa, você aprende a não se expor demais, a não deixar rastro, a convencer até mesmo as mentes mais brilhantes. É assim que eu sobrevivo, apesar de tudo.

Podem me acusar de viver uma ilusão, é, eu sei, ser um mágico golpista nômade não é uma vida muito charmosa e atraente, mas não se enganem, não me iludo, eu crio ilusões para quem gosta de se conformar, eu não me conformo. Achei que estivesse óbvio com toda a explicação sobre enganar gente rica e tirar proveito de seus momentos de fraqueza.

Se me derem o privilégio de pular a história de origem de um garotinho órfão sendo maltratado pelos irmãos mais velhos, eu posso apresentar para vocês aventuras muito mais instigantes e deslumbrantes, uma em específico eu sei que pode interessar porque envolve mágica e romance. Um romance mágico, por mais brega que isso possa soar, e eu sei que nessa altura já não sou nenhum mocinho de novela, mas não é sobre mocinhos ou vilões.

Isso é sobre dois caras que criavam ilusões para todos ao seu redor e acabaram caindo em uma delas. 

poker face ♦ taegiOnde histórias criam vida. Descubra agora