_ Clara? – ouvi uma voz conhecida me chamar e algo leve tocar meu rosto. – Clara, meu amor, abra os olhos.
Um arrepio percorreu minha pele. Aquela voz...
_ J-Jake? – gaguejei enquanto forçava as pálpebras para abrir os olhos. Um soluço solitário escapou por minha garganta, mas nenhuma lágrima forçou passagem. Creio que estava seca e vazia por dentro...
_ Sim, sou eu. – a confirmação veio fraca e entristecida, mas serviu de combustível potente para eu lutar contra o entorpecimento do sono.
Força, Clara! Abra os olhos! 1, 2, 3... Já! Pálpebras, me obedeçam... 1, 2, 3... Agora!
O breu ainda tomava minhas vistas, evidenciando que meu corpo não respondia a meus estímulos desesperados.
Por favor, abra os olhos e... De repente, algo quente tocou meus lábios e mãos ágeis envolveram meu rosto. Em seguida, escorregaram por meu corpo e, com firmeza, agarraram-se à minha cintura. Senti meu corpo sendo erguido e arquejei. Jake estava me ajudando a sentar.
O beijo acabou, mas uma força nova começava a correr por meu corpo.
_ Clara... – o ouvi sussurrar muito próximo a mim. – Abra os olhos.
Instantaneamente minhas pálpebras se ergueram e minha visão tornou-se límpida. Não perdi tempo e virei o rosto, procurando avidamente dois grandes olhos verdes, oferecendo pouca importância ao espaço em que me encontrava. Não tardei a encontra-los.
Alegria encheu meu peito. Pude sentir o coração acelerar, a garganta secar e as mãos tremerem.
Agora sim duvidava de minha sanidade...
Ele estava aqui, bem a meu lado, agarrado a mim como uma âncora agarra o fundo do mar. Seus braços fortes e musculosos envolviam meu corpo com uma força desesperada. Sua expressão era leve, porém triste, embebida em pena e piedade.
_ Eu... Eu não... – comecei, mas a voz não saía. Um nó se formou em minha garganta e eu tossi para disfarçar.
Jake sorriu.
_ Ah! Meu amor... O que está fazendo consigo mesma? – perguntou, segurando meu queixo, forçando-me a encará-lo.
Então era por isso a pena e a piedade expressos nos traços de seu rosto?!
_ J-Jake, e-eu... – tentei novamente, mas em vão.
_ Eu sei o que tanto te aflige, Clara, mas escute: foi preciso me matar. – aquelas palavras soaram como lâminas. Não queria lembrar que o amor de minha vida estava morto... – Eu estava louco, cego pelo Caos... Estava fora de mim. Cheguei muito perto de fazer uma burrada gigantesca e condenar minha alma ao sofrimento eterno, mas você me impediu de fazer isso. Você poupou a mim de mais sofrimento, e nem sei se deveria ter recebido esta graça...
_ Mas talvez houvesse outro jeito menos... Definitivo. Eu não tive tempo de pensar e...
_ Clara, - interrompeu-me. – quando o Caos toma posse de nós, não há mais volta. Agradeço a Deus por você não ter sido completamente contaminada! Mas eu... Eu já estava entregue e mataria meu irmão a qualquer custo.
_ Por quê? – foi o que consegui perguntar.
_ Não há um porquê... É irracional, então não tem explicação. – lentamente, o rapaz balançou a cabeça e desviou os olhos. – O amor que sentia, e ainda sinto, por você limpou um pouco meu espírito e, graças a isso, terei a graça da vida eterna assim que estiver purificado. Até lá, permanecerei neste lugar, esperando...
Só então parei para observar o local em que nos encontrávamos: um campo enegrecido, sombrio, desolador. Um lugar sem vida em todos os sentidos. Sem brilho, sem cor... Apenas um sufocante nada nos cercava.
_ Onde estamos? – questionei, voltando a encará-lo nos olhos.
_ No purgatório. – respondeu secamente. – Queria tê-la levado ao céu, mas ainda não é possível e nem vai ser... O Cara lá de cima é bem rígido, e só permitiu que eu falasse com você pois sua vida estava em jogo.
_ O quê? – murmurei, franzindo a testa.
_ Clara, você estava morrendo.
_ Mas eu...
_ Estes sonos que duravam dias, a falta de apetite, a irritabilidade... Eu vi tudo isso, meu amor, e se já não estivesse morto, teria morrido com a situação crítica que se encontrava sua vida. – uma gargalhada escapou-lhe os lábios, mas não ri. Sequer consegui me mexer.
Então as coisas estavam tão sérias assim?
_ Ainda não é a sua hora, Clara, e Ele sabe disso. Por esse motivo fui capaz de intervir. – finalizou.
_ Ele não está bravo com nosso amor? Afinal, você é meu tio e... – aproveitei para perguntar.
_ Desde quando parentesco faz sentido nesse mundo de Luz e Caos? – interrompeu ele. – Clara, eu deixei de ser da família no momento em que me tornei líder do Caos. A partir daquele instante, já não era mais eu.
Lentamente assenti.
_ Eu te amo tanto... – sussurrei, sentindo o coração pesar.
_ Eu também te amo, e jamais duvide disso. Mas...
_ Mas? – repeti, incitando-o a falar.
_ Não me agrada dizer isso, mas você precisa seguir em frente em todos os sentidos. Ache alguém com quem valha a pena casar. Tenha uma filha e continue a sucessão de sua família. Faça isso por mim... O Caos não pode ganhar.
Abri a boca para contestar, mas ele me impediu, levando um dedo a minha boca, posicionando-o frente a meus lábios em sinal de silêncio.
_ Shhh... Por favor, prometa.
Sem forças, assenti.
_ Tudo bem, eu prometo.
Um sorriso terno surgiu em seus lábios e ele me beijou. Um beijo calmo, tranquilo, com gosto de despedida.
Ao afastar-me, focalizei seu rosto. Lágrimas marejavam seus olhos, assim como os meus. Engoli em seco e suspirei, aguardando suas inevitáveis palavras.
_ Agora preciso deixa-la ir... – sua expressão foi tomada por dor, dilacerando meu coração e torturando-me por dentro.
Focalizei seus olhos uma última vez e assenti. Embora machucasse muito, sabia que não tinha outro jeito. Se pudesse, deixava tudo para trás apenas para ficar aqui com ele, mas, infelizmente, isso não era possível. E eu entendia isso.
_ Reze por mim, está bem? – pediu com voz fraca enquanto uma lágrima se insinuava por seu rosto.
_ Está bem. – assenti. – Eu te amo, Jake.
_ Eu te amo, Clara.
De repente, tudo ficou preto e, simples assim, acordei.
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O Ciclo de Sangue - A Escolha da Herdeira (livro 02)
FantasíaClara tem 16 anos e já treina com os Luminescentes desde que se entende por gente. Entretanto, não é bem isso que seu coração deseja. Vivendo insatisfeita, Clara se revolta e muda de lado, surpreendendo e desestabilizando a todos, inclusive sua mãe...