Capítulo Único

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Seis meses antes das festas de final de ano

— Fala sério Lily, qual é o problema de ir em um encontro às cegas? Você não confia em mim?
— Não, Alice, é claro que eu não confio em você. Preciso lembrar do cara que passou o encontro inteiro falando da lesma de estimação? Ou o que tinha cabelo seboso e era ranhoso?
— Ok, tá, tá, tudo bem você não confiar em mim. Mas foi o Frank que achou esse cara! Você não confia no Frank?
Lily encarou para o namorado da amiga, que sequer ouvia a conversa das duas, concentrado em revisar suas anotações. Cética, voltou seu olhar para a amiga.
— Eu não acho que Frank ligue se eu confio ou não no gosto dele.
Alice repentinamente dá uma cotovelada em Frank, fazendo-o se sobressaltar e derrubar os flashcards que segurava. Encarou sua namorada atordoado.
— É importante para você que a Lily confie em seu gosto, não é, amor?
O tom passivo agressivo de Alice era surpreendentemente ameaçador, o que fez Frank responder de imediato.
— De extrema importância, Lily. — Frank deu uma piscadela em tom de brincadeira para Lily, fazendo Alice o fulminar com os olhos. Ele se arrumou na cadeira, agora olhando com mais seriedade para Lily. — Mas relaxa, de verdade. Sei que a Alice te colocou em algumas enrascadas com esses encontros... Ah, não me olhe assim, amor, você sabe que é verdade... Mas, como eu estava dizendo, esse cara é realmente legal. É residente também, vai ser neurocirurgião. Eu não faria isso com você se não soubesse que ele é gente boa.
Lily bufou, apoiando sua cabeça em uma de suas mãos.
— Eu não sei, gente... tudo que aconteceu com Amos ainda é recente demais. Ainda dói demais. E eu tive aqueles encontros desastrosos e só estou tão cansada de decepções. Eu só quero focar na minha carreira. Tenho certeza que esse cara deve ser legal, mas não sinto que eu seria justa com ele se saísse com ele agora. Vocês entendem, não é?
O casal se entreolhou, parecendo ter uma daquelas conversas não verbais que eles sempre tinham, as quais tinham um dom de fazer Lily se sentir incrivelmente sozinha.
— Tudo bem, só queremos que você seja feliz, de verdade. — Alice afirmou colocando sua mão sobre a de Lily. — Agora, pizza ou comida chinesa? E não, Frank, comida indiana não é uma opção, não depois da última vez, aquele cheiro de curry na minha cozinha por dias...
***
Lily gostava de sua rotina. Acordava cedo com sua gata, Meredith Grey, derrubando tudo para pedir ração, ia correr, voltava para tomar banho, passava na sua cafeteria preferida para buscar seu café da manhã e depois passava o dia no escritório, fazendo a triagem dos projetos de livros enviados para a editora. Era confortável, introspectivo e ela gostava do enorme tempo que passava em sua própria companhia.
Antigamente essa rotina incluía Amos Diggory. Ela o amava profundamente mas, mesmo durante o relacionamento, sentia que tinha algo estranho cada vez que ele sentava ao seu lado para tomar café. Agora que ele não estava mais com ela, não tinha tanta certeza se a companhia era o problema ou se ela realmente apenas precisava de alguns momentos de silêncio. Queria poder dizer que seu café tinha o mesmo gosto, com ou sem Amos, mas tudo parecia amargo sem ele.
Uma nova parte divertida de sua rotina havia se tornado olhar o Cara Gato do Café. Era como o seu colírio para os olhos diário e, de alguma forma, os dias que ela não o via pareciam ser ruins.
Lily não sabia o nome dele. Mas sabia que ele pedia um expresso extra forte, grande, e sempre levava um croissant de chocolate. Sabia que ele tem os olhos castanhos esverdeados mais lindos que ela já viu, que seu cabelo castanho escuro estava constantemente bagunçado como se ele tivesse acabado de acordar. Sabia que ele tinha um sorriso fácil, uma única covinha no lado direito do rosto e que constantemente arrumava os óculos de grau em seu rosto. Sabia que ele tinha uma longa cicatriz em seu braço esquerdo. E também sabia que ele tinha uma aliança gigantesca em sua mão, o que o transformava automaticamente apenas em alguém agradável de olhar, e não alguém com quem pudesse flertar.
Todos os dias enquanto Lily estava chegando, o Cara Gato do Café estava pegando seu pedido e indo embora. No dia em que essa história de fato começa, o Cara Gato não estava na cafeteria quando Lily chegou. Ela tomou isso como um sinal que seu dia não seria dos melhores e procedeu para fazer seu pedido padrão dos dias em que não via o Cara Gato: latte machiatto e um único cupcake red velvet. Em dias normais ela apenas pediria um expresso médio e um sanduíche natural, mas de acordo com sua teoria que os dias em que ela não via o Cara Gato eram dias ruins, ela merecia algo que deixasse ela feliz.
E ela estava feliz quando o simpático atendente entregou a ela seu pedido. O latte machiatto sem tampa porque ela ia colocar mais açúcar nele no balcão ao lado, o red velvet um tanto quanto desajeitado em sua mão enquanto ela tentava comer. Sua felicidade acabou no momento em que ela se virou para sair do balcão de atendimento e esbarrou contra uma parede e derrubou seu café e seu cupcake na parede.
Exceto que, claramente, não havia uma parede imediatamente atrás dela. É claro que a "parede" na verdade era o Cara Gato. E sua bela camisa branca agora tinha uma enorme mancha vermelha do cupcake e outra enorme mancha de café. Café quente que o fez pular para longe imediatamente.
— Que merda?!
Tudo estava acontecendo rápido demais. Em um segundo Lily estava feliz saindo com sua comida, sem ela ter visto o Cara Gato. No outro ela havia derrubado toda sua comida no Cara Gato, que parecia evidentemente confuso e irritado pelo café quente jogado em seu corpo. E agora ele estava encarando ela, tornando a missão de achar as palavras certas para dizer incrivelmente complicada.
— Perdão! Eu realmente não vi você e... e...— Lily tentou começar a explicar, sem saber onde sua frase pararia. Antes que pudesse continuar a falar, o telefone dele começou a tocar em seu bolso. Ela não conseguiu evitar olhar para a tela e ver que "MOLLY 🖤" estava ligando. Essa devia ser a pessoa que usava o par da aliança gigante que estava constantemente no dedo anelar do Cara Gato.
Ele levantou um dedo para Lily, como se dissesse para ela ficar em silêncio e então atendeu o telefone, encarando os olhos verdes de Lily com muita intensidade. Não era ela que tinha café quente jogado em seu corpo, mas sentia seu rosto ficando cada vez mais quente conforme o sangue subia para sua cabeça em simples reação ao olhar dele.
— Oi... É sério? Tive um imprevisto no café, mas estou indo para aí... Não, não, é claro que eu vou ir... Só me prepara uma camiseta e eu te explico.
Sem tirar os seus olhos dos de Lily, o Cara Gato finalmente quebrou o silêncio:
— Eu tenho que ir resolver algo. Mas saiba que eu não vou esquecer isso não, ruivinha.
E piscou para ela, abrindo um sorriso de lado. Havia café pingando de sua camisa (que havia grudado em seu corpo revelando o que Lily tinha 98% de certeza que era um tanquinho), ela havia provavelmente arruinado o café da manhã dele e mesmo assim ele sorriu para ela e a chamou de "ruivinha"?
Lily não sabia como reagir além de encarar ele incrédula. O atendente do café entregou o pedido do Cara Gato, mesmo sem ele sequer ter passado pela fila de atendimento. Agradecendo ao atendente, o Cara Gato foi embora, ainda deixando Lily presa em sua confusão total.

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