Meu coração estava leve. Pensei que, assim que abrisse os olhos, teria que lidar com uma tristeza lancinante, uma culpa avassaladora, mas não. Não foi bem assim que me senti...
Afastei-me rapidamente dos cobertores que ainda me envolviam e sentei na cama, com os olhos fixos à janela. Desviei a atenção de forma automática para o relógio, a fim de me situar no dia, e quase perdi o fôlego: 3h30 da madrugada. Como era possível dormir tanto assim?
Voltei a observar o ambiente lá fora, focalizando algumas estrelas ofuscadas pelo brilho da lua. Inevitavelmente, lágrimas umedeceram meus olhos.
_ Droga... – praguejei, sem forças. – Por que é que tinha que ser assim?
Uma dolorosa saudade envolvia minha alma e sufocava meu ser. Não mais a culpa atormentava meus pensamentos, ou a dúvida de ter sido iludida. Pelo contrário... A certeza de que nunca mais veria o amor de minha vida é que machucava meu íntimo e torturava-me impiedosamente.
Aquele fora o mais doloroso adeus, pois sabia o quão definitivo era...
Respirei fundo algumas vezes e fiquei de pé. Caminhei até minha escrivaninha e tomei alguns papeis e lápis na mão. Quem sabe escrever auxiliasse a me recuperar? A esquecer?
Sentei na cadeira e comecei:
"Seus olhos pareciam os mais doces do mundo no instante em que os encarei. Você estava entregue à mim, e sua expressão suave provava isso.
Quando sorriu, me fez a pessoa mais feliz do mundo, mas, ao fechar os olhos naquele terrível dia, lançou-me aos lobos e largou-me à deriva da triste realidade.
Ouvir sua voz me acalmou e foi naquele instante que percebi: jamais esqueceria seu rosto. Jamais...
Fecho os olhos e vejo você. Adormeço e sonho contigo. Suspiro e chamo seu nome. Mas você não virá... Não mais... Nunca mais. Você me deixou só, perdida nas estradas do mundo, entregue à tristeza.
Ainda não tracei um plano racional para viver sem você, sorrir sem ter seu sorriso, admirar algo que não sejam seus olhos... Talvez eu não ame mais. Talvez nada seja como antes. Mas tenho que tentar...
Por você."
As lágrimas que escorriam por meu rosto e manchavam o papel foram as assinaturas tristes que faltavam. Quando senti que tinha acabado, tomei o papel nas mãos e apertei-o contra o peito.
_ Espero que você possa ver estas palavras, meu amor... – sussurrei, fitando o céu, imaginando os dois grandes olhos verdes de Jake encarando meu rosto. – E que Deus tenha compaixão de você.
Dentro de mim, algo havia se fechado e, por alguns instantes, tive a certeza de que jamais abriria novamente. Um soluço rouco escapou de minha garganta, premeditando mais um choro doentio, mas o impedi de abrir as portas para mais sofrimento. Respirei fundo, dobrei o papel, acomodei-o sobre a mesa e segui caminhando rumo à porta. Estava na hora de comer.
×××
Estiquei o pescoço para fora de meu quarto, rezando para não encontrar ninguém pelos corredores do palácio, mas estava escuro e não consegui enxergar. Temerosa, coloquei o corpo para fora e suspirei.
Virei de costas, fechei a porta, sorri e pensei em caminhar rumo à cozinha quando, de repente, alguém tocou meu ombro.
Dei um pulo, assustada, e exclamei o mais baixo que pude:
_ Quem está aí? – minha voz saiu trêmula e estridente, revelando meu pavor. A fraca luz da lua não era suficiente para iluminar nem um palmo à minha frente.
Droga! Tinha que ser madrugada?
_ Fique calma, Clara. – sussurrou uma voz doce e conhecida. – Sou eu, Nani.
Relaxei. Ao menos não era um estranho, um membro do Caos ou mamãe...
Tateei o espaço à minha frente até esbarrar em seu corpo. Senti as bochechas corarem e, envergonhada, murmurei:
_ Quero comer alguma coisa. Você vem comigo?
Instantaneamente seus dedos envolveram meu pulso e a mulher começou a me arrastar, conduzindo-me pela escuridão.
_ Sem dúvidas que sim! Só não vou acender as luzes porque está muito tarde, então siga meus passos que logo chegaremos à cozinha. – seu tom era amigável, aveludado e reconfortante.
Quase agradeci à Deus por tê-la encontrado acordada, mas algo me impediu.
Cessei meu caminhar.
_ Realmente está muito tarde, Suzane. – ponderei, séria. – Então por que motivo está acordada?
Ela suspirou.
_ Podemos chegar à cozinha antes de começarmos o interrogatório? Afinal, se eu der início as perguntas que também tenho a fazer aqui e agora, creio que morrerá de fome e...
_ Ok. – assenti, meio à contra gosto. – Tudo bem. Não estou no direito de exigir nada mesmo... Vamos à cozinha.
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O Ciclo de Sangue - A Escolha da Herdeira (livro 02)
FantasyClara tem 16 anos e já treina com os Luminescentes desde que se entende por gente. Entretanto, não é bem isso que seu coração deseja. Vivendo insatisfeita, Clara se revolta e muda de lado, surpreendendo e desestabilizando a todos, inclusive sua mãe...