Setembro 1997.
Sobre o terceiro andar:
Esqueci de registrar, mas Linda adorou o livro. Ela é a única criança dentre o grupo, então é de se prever que se sinta deslocada. Arrastei o lampião no chão da cela, perto de onde sentamos encostadas a parede úmida. Abri o livro em meu colo, apontando as figuras, a medida que virávamos as páginas sob a luz do fogo. Reparava em suas unhas sujas, traçando as figuras das águias, dos polvos esquisitos, e voltando-me ao seu pequeno rosto, seus olhos escuros flamejavam — da animação genuína que mora numa criança. Quando ela me pediu para ler as descrições, disse que ela poderia pedir para que Joan ou Dex lessem durante o dia. Os outros quatro já estavam adormecidos, virados em concha em algum lugar naquele breu sufocante. Os pequenos colchões conjurados por mim, espero, ofereçam algum tipo de conforto. Durante as manhãs, como se dissolvem, Matt volta a enfeitiça-los; — ele é um ótimo bruxo, apesar de abatido e magro. Não necessita varinha, precisa apenas que eu lhe ensine alguns encantamentos criados por papai. Tolos e simples demais para serem pegos pelo sensor mágico da cela, mesmo que não tenham sido criados para prisioneiros, as macas e bandagens de emergência servem como nunca.
Levo comida, geralmente contrabandeada da cozinha por alguns elfos dedicados a missão. Na cela ficamos em círculo, geralmente em volta da luz do lampião, enquanto observo mão rápidas e famintas tomarem os bolinhos, a água; tudo consumido em poucos momentos. Fico invisível, abraçada ao meu joelho, perdida na toalha estendida ao chão, lar da única refeição descente do dia. Um dos poucos momentos em que tenho visão geral daquelas cinco almas, tão diferentes e confinadas. Unidas.
Linda é pequena, inquieta e faladeira. É uma incógnita como perante a atual situação ela lida com as dores, como veem seus olhos de sonho. Ela costuma encher o ar com perguntas, das quais algumas irritam por não possuírem respostas. Dex é o primeiro que a ordena se calar. É loiro aguado, magro nas roupas acinzentadas de cobaia, mal-humorado — fala pouco, diz para ofender, embora todos relevem com paciência. Mesmo a Linda, vire e mexe, o jovem se rende, esfregando as grandes palmas na cabeça da pequena. A cabeça de bagre.
Joan é irmã dele, mais velha e mais protetora. Olha feio para meus cuidados, embora os aceite quando necessário. É orgulhosa, não por isso menos forte. Carrega nas saboneteiras hematomas de pancada, e nas mãos cortes de resistência. Se dá bem com Matt, o meia idade barbudo — talvez o líder. Nunca deixa de me agradecer e me tratar com ares de paternidade. Linda o idolatra.
Bom, pelo barulho, Fitch se aproxima. Preciso ir.
Helena A.
Setembro 1997.
Chang tricotou um ursinho para Linda. Conversamos, entre uma madrugada e outra, sobre a rotina com os prisioneiros. Ela tem vontade de ajudar com seus dotes, mas sabemos que é arriscado. Não suportaria ter a chinesa sofrendo por minha causa. Esquema destruído. Todos ou alguns mortos.
Uma aposta com muito a perder.
Helena A.
Setembro 1997.
Graças a Deus, Zacarias Smith exibe melhoras e quase nenhuma sequela de sua escalação. O garoto recebeu alta essa manhã, apoiado pelos colegas lufanos. Quando saiu do vestiário, pareceu um vulto magro e pálido rumando para fora da enfermaria. Os passos tremelicavam. Quando olhou em meus olhos e desviou para os sapatos, nós dois sabíamos que nosso medo era real e desafiado a base de uma coragem estúpida e perigosa. Recusar torturar colegas e segregar minorias não é senso comum por aqui. O preço da desobediência é a dor, o corte e a cicatriz.

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Subversivos
Fiksi Penggemar"A utilização de cobaias humanas nas aulas de Poções e Artes das Trevas foi, a princípio, um choque. Percebia-se o ar ultrajante até dos alunos apoiadores do regime [...] Quantos covardes metidos em suas carapaças de puro-sangue fazem-se de desenten...