Prólogo

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     - Reconsidere - peço, cruzando minhas mãos diante do corpo. 

     A rainha ruiva e corada diante de mim parece uma pilha de pavor, mas se esforça para manter a cabeça ereta e o queixo erguido. É corajosa. Se essa for sua maior virtude, tenho ainda mais motivos para realizar a barganha.

     - Não posso fazer isso - ela sacode a cabeça. - Qualquer criança que eu conceber pertence a Coronte, não a Omem. Além disso... - observo-a me medir, tentando me analisar.

     Tento baixar a guarda para não intimidá-la. 

     - Vinte anos - digo da maneira mais branda que sou capaz. - Dê à luz um herdeiro e traga-o a mim quando chegar aos vinte anos.

     A rainha Anna nega com a cabeça no mesmo instante.

     - Isso é algo que não posso fazer.

     - Você deve - dou um passo para mais perto, congelando aos poucos o chão em que piso. - Olhe para mim, Anna de Liriel.

     Ela obedece, embora eu não tenha dito como uma ordem.

     Diferente dos outros governantes que já conheci, essa diante de mim não cederá se eu oferecer ouro, terras, títulos ou favores. Ela parece estar numa espécie de missão moral, na qual está em jogo muito mais do que seu próprio pescoço.

     - Seu maior desejo é salvar seu lar - digo, chegando a essa conclusão no momento em que as palavras saem da minha boca. - Sinto isso emanando de você. E quando digo lar, me refiro a Coronte, a Liriel e até mesmo a Avival, onde você nunca esteve. Seu coração é bom e você é justa, o que me impediu de tê-la forçado a aceitar minha proposta de aliança. No entanto, Majestade - enfatizo, franzindo as sobrancelhas -, eu devo me casar com um herdeiro de seu sangue. Ser filho de um guerreiro como rei Kilian o tornará ainda mais valoroso e depois de milênios a maldição finalmente será quebrada.

     A minha maldição.

     Por pouco não perco as contas dos anos que já se passaram desde que meu coração foi congelado. A condição para que eu finalmente encontre a paz de espírito - ou seja, o meu tão aguardado fim - é estabelecer um laço amoroso com alguém de grande virtude capaz de colocar um fim ao meu cárcere mágico. Após anos de busca e inúmeros pretendentes que me frustraram e enfureceram, sinto que o herdeiro nascido da união dessa jovem e seu amado rei é minha última esperança.

     - Eu preciso pensar - a rainha ruiva cobre o rosto com uma das mãos.

     A cabana onde estamos fica em silêncio.

     Precisarei pressioná-la para que decida logo.

     - Enquanto não tomar sua decisão - estendo a mão para tocar seu ombro -, eu não posso deixá-la ir.

     Sinalizo para Klaus e ele a toma nos braços para transportá-la até minha morada. Arrependo-me de tê-lo encorajado a envolver-se em minha empreitada para conquistar Anna, mas agora é tarde para frear os sentimentos que ele nutre por ela - sentimentos estes que, por minha experiência, distanciam-se do amor a cada segundo.

     Não me agrada as medidas drásticas de abdução e sequestro que tomei para conversar com a rainha, mas estou em momento de desespero e tal justificativa me permite manter a consciência tranquila: esta pode ser minha única chance. Eu me considero uma rainha bastante razoável, especialmente se comparada aos reis anteriores de Coronte e ao atual rei Rupert de Dardanelo, e contanto que não fira Anna de Liriel serei capaz de dormir bem à noite.

     - Eu já tomei minha decisão! - a voz dela é como a luz do sol despertando-me para mais um dia.

     Uso a magia para transportar-me para o quarto onde ela está sendo mantida.

     - Muito bem - digo assim que entro.

     Rainha Anna me encara embasbacada ao me ver usar meus dons. Encaro-a de volta cheia de expectativa.

     - E então? - encorajo.

     - E-eu...

     É hora de libertá-la. Abro as portas de gelo do aposento usando a magia.

     - Se já se decidiu, pode ir - digo.

     Ela fica ainda mais espantada. 

     - Posso?

     - Foi a condição que estabeleci - meneio a cabeça.

     - Fácil assim? - ela parece desconfiada.

     Permito-me suspirar.

     - Enviarei uma mensagem ao Papa dizendo que a aliança entre os reinos de Omem e Coronte acaba de ser forjada - declaro. - Dentro de vinte anos após o nascimento do primeiro herdeiro de Coronte, ele deve se unir a mim em matrimônio. Em troca, Coronte tem o apoio total de Omem em qualquer assunto de seu interesse, enquanto a aliança entre os reinos durar.

     - Como sabe o que eu decidi? - ela indaga com despeito. - Como sabe que não vou recusar sua proposta indiscreta?

     Contenho-me para não rir às suas custas.

     - Está estampado em seu rosto, Majestade.

     Ela não parece contente.

     - Certo, vamos logo com isso. O que eu preciso fazer para tornar minha decisão oficial?

     Ajeito minha postura.

     - Nada. Sua palavra já me basta - caminho até ela. - Você, Anna de Liriel sob o título de rainha Sonya de Avival e Coronte, jura pelo sangue em suas veias e pelos amados em seu coração que sela essa aliança com o reino de Omem, prometendo seu primeiro herdeiro em casamento para que a paz seja estabelecida entre os reinos?

     A rainha ruiva hesita. Mas sei que não voltará atrás.

     - Sim - diz em voz alta. - Eu juro.


Dever e Fidelidade #2Onde histórias criam vida. Descubra agora