◌ Pequeno Feito Saturno

1.

Pandora ◌ pov

02/02/2000

-- Decida um canal logo!

-- Não está passando nada que preste...

Millie pareceu pensativa ao ouvir minhas palavras, até que seu rosto se iluminou na evidente formação de uma ideia:

-- Então vamos ver uma série!

-- Não -- respondi, sutil -- tenho que preparar alguma janta.

Eu não fazia ideia do que cozinhar aquela noite. Na verdade, eu nem gostava de ser responsável pelo jantar, mas Tiara, minha irmã mais nova, já havia feito o almoço. Fazia quatro dias que nos revesávamos dessa forma, pois vovó estava na casa da tia Jully, por sairem juntas da hidroginástica naquele dia, e voltaria apenas pela manhã, quando a filha fosse ao trabalho, portanto, por essa noite, eu era a maior responsável da casa, como sou a irmã mais velha.

-- Que tal uma pizza? -- indaguei Millie. Ela estava na porta da cozinha fazendo algum tipo de alongamento, com a coluna curvada para traz e as pernas abertas em um espacate apoiado no batente. Pode não parecer seguro, mas ela era ótima nisso, possuía um talento natural incrível.

-- Eu sempre apoio! -- respondeu, sorrindo.

-- Tudo bem, mas não vou pedir refrigerante.

-- O quê? -- ela saiu da posição em que se alongava e esfregou as costas -- Claro que vai, a vovó nem está em casa para reclamar!

-- Só você em casa toma essa besteira. E, também, como você quer ser uma bailarina comendo dessa forma?

Millie deu de ombros, ainda não convencida. Por fim, pedi sua bebida, eu faria qualquer coisa para animá-la, já que ela fora a mais afetada pela morte de papai e mamãe em casa. Hoje, tal evento completava quatro meses, os piores da vida das irmãs Vaitiare. Os mêsversários da data traziam sempre más vibrações a nós todas, como dizia Tiara, e, apesar de eu não acreditar nessas coisas, era exatamente o que sentia.

-- Dora, me empresta seu celular para eu tirar uma foto desse alongamento?

-- Pegue o seu -- respondi, eu não gostava de emprestar meu telefone, de qualquer maneira.

-- Não dá, eu deixei no quarto e a Dominique trancou a porta, ela está tendo o maior chilique! Além disso, sua câmera é melhor...

Suspirei. As brigas das duas por conta do quarto que dividiam me davam nos nervos. No entanto, a casa tinha três quartos e um escritório, e eu e vovó cogitavamos deixar o escritório como o de uma das duas, já que, como eu estava prestes a entrar na faculdade, precisava ter o meu próprio.

Entreguei meu celular a ela.

-- Mas o que a Tiara tem? -- perguntei.

-- Não sei, mas ela está maluca.

E estava, mesmo: alguns minutos depois, ela chegou na sala com uma cara horrível, porém muito bem arrumada. Havia batido a porta do quarto com muita força, e nem sequer me deu satisfação ao abrir a porta de casa para sair, seja para onde fosse.

-- Onde você vai? -- perguntei, puxando a manga de seu moletom, e alguns fios de seus cabelos ruivos, pelos quais ela me xingou baixinho.

-- Sair.

-- Para onde? -- minha paciência se esgotava com o sarcasmo de Dominique.

-- Ai, Pandora, me deixa! -- e se soltou, saindo. Não adiantava eu querer protegê-la, até porque ela já tinha dezesseis anos, e eu não a culpava por estar revoltada, não podia culpar...

Me sentei no sofá, estupefata por ter deixado minha irmãzinha sair e não ter feito nada. Droga. Eu e minha paciência... excessiva.

Millie fungou:

-- É, aposta quanto que é tudo culpa do Peter?