/único/

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Sol fugia de mim como o inferno foge da luz. o calor me encarava e ria das minhas tolices, com escárnio e zombaria. muitas pessoas entraram nas cascas dessas árvores e derrubaram seus caules. muitas pessoas deram um pouco de luz para apagar as estrelas. não percebemos que era perigoso, não vimos que era tóxico. desculpe, não tinha uma placa de "perigo!nãoseaproxime,nãoseaproxime,pareparepare". ninguém nos avisou. nem sequer um gesto/um olhar/um sussurro.  ninguém nem nos avistou.

éramos fantasmas à meia noite, assombrando casas vazias. berrando e gritando e assustando paredes inabitadas. e telhas quebradas. preenchendo o vazio na nossa alma com corpos vazios. tentando nos esquecer de nossos corpos, em putrefação, em alguma vala qualquer. tentando não recordar da violação que tivemos sentido desde que morremos.

éramos corpos sem cabeça, e cabeça sem corpos. tentando seguir um caminho longo e novo e mais iluminado. eterno.

mas o Sol fugia de mim como o diabo foge da cruz. como o bem foge do mal (e vice-versa). então creia que estava fadado a esse inverno-inferno-eterno. e o Sol fechava e queimava e... não sei quando que me doía mais - quando ele estava longe (me ignorando) ou quando estava perto (me queimando/matando)
as queimaduras de tercei- quart- sext- décimo grau valeriam a pena se sentisse teu calor, Sol. se soubesse que estava ali iluminando noites longas-escuras-doídas e o eterno não era uma opção e eu só tinha uns oitenta anos pela frente. mas agora eu não tenho mais um corpo (espírito branco tipo um lençol e invisível, incorpóreo, etéreo, eterno) e Você não pode mais ver suas marcas de terceiro grau e todas as cicatrezes em meu corpo deteriorado. então não vale mais para ti.

agora o Sol foge de mim. e a Lua ri de minhas tentativas de contato, pois eu fico feito um louco procurando em corpos o calor de um astro. procurando nessas estrelinhas o calor vermelho teu. sei que nunca me amara, mas me amarrara. e a Lua agora me olha com essa compaixão prateada para minha não-carne pálida e podre e brilha perto de tu, mudando suas fases para te falar.

mas eu fui do Sol, o passatempo cor-de-rosa de seus pores e pus em pormenores suas árvores e
todos os astros se compadecem, nenhum um Astro-Rei ficaria com um fantasminha-camarada-morto-inerte feito eu. 

então eu fiz feito um bruxo de cera e voei para o mais alto que pude e as corujas me olharam assustadas e o vento me ajudou, com pena. então eu queimei e caí, e você fugiu e fui falar com a Lua, e ela fez de silêncio, casa e disse "querido, você está morto"

e o Sol foi o centro do meu universo e dessa galáxia inteira e isso subiu à cabeça.

e sou um fantasma numa eterna alvorada triste com estrelhinhas e seus espíritos e a eterna escuridão do pós-mortem. e agora eu sou um fantasma. 

e eu inventei de seguir o sol, uns anos atrás e
não tinha percebido
não tinha nem visto...

Tem muitas estrelas além dele no céu.

então

eu procurava em casa vazias, resposta
às vezes, tudo que a gente precisa é
Deixar ir.

(Ele pode até ser da galáxia, mas não é o centro do universo não)
(o Sol também é (só) uma estrela.)

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