A.po.ca.tás.ta.se
sf, do grego apokatástasis.
1. [Astronomia] Revolução periódica que, segundo os astrônomos antigos, reconduz os astros ao primitivo ponto de partida.
2. [Teologia] Doutrina herética segundo a qual, no fim dos tempos, serão admitidas ao Paraíso todas as almas, inclusive a do Diabo.
3. Restabelecimento de algo a sua condição original.
Houve um dia em que eu acordei
E descobri que estava sozinho.
Não havia mais ninguém.
Eu andei, andei e andei.
Haviam todos desaparecido.
Se foi o Apocalipse, o Armagedon, ou o Ragnarök,
Eu não sei.
Só sei que algo aconteceu e eu
estava sozinho.
E só então eu percebi
Que nunca havia estado sozinho antes.
Então caí sobre meu joelhos
E chorei até a exaustão.
E andei por caminhos escuros, pavimentados por todo o tipo de sujeira.
E andei por onde se deitavam as sombras de edifícios que tocavam as nuvens.
E caminhei em frente a casas onde, há algum tempo, habitavam seres cuja estupidez
Era tão grande quanto seu tamanho permitia.
E por todos os lugares que andei, só encontrei pedaços.
Tudo era ruína, nada estava em pé, nada estava inteiro.
E eu andava e chorava,
Mas quanto aos seres de outrora, o Povo Incompleto,
A esses eu não encontrei.
E enquanto andava,
Eu gritava o nomes daqueles a quem amava.
E o eco de minha voz era meu solitário interlocutor,
Que trazia consigo o peso da ausência.
Então andei.
Andei.
Chorei.
Gritei.
E Andei.
Ao povo de outrora procurei.
Corvos, ursos, cães, gatos, tigres e leões, a todos estes encontrei,
E com estes falei e eles atenderam ao meu chamado.
E a todas as feras vi, e com todos os monstros conversei,
E nenhum deles sentia medo.
Porque não se ouvia mais grito, ou suspiro ou lamento.
Só se ouvia o bramido do vento entre as montanhas
E a voz suave da brisa entre as árvores,
Que cresciam para além da minha vista.
E todas as coisas cresciam;
E eu podia ouvi-las cantando,
livres.
E quanto aos Sujos, ao Povo da Destruição, aqueles a quem um dia me afeiçoei,
aqueles dos quais havia feito parte,
A esses ainda não havia encontrado.
E do meu passado, de meus costumes,
De minha sanidade e de minhas vestes,
Lentamente me despi.
Porque eu e o Mundo somos agora um.
E tudo o que há no Mundo canta e jubila
E eu me delicio com o som dessa divina sinfonia.
E o amor e o ódio,
A beleza e a feiura,
A benevolência e a maldade,
Não existem mais.
E aos poucos, a lembrança do Povo de Outrora se esvai da minha mente,
Mas não me sinto mal.
E eu já não os procuro
Porque tudo o que resta são as cores, o belo e o bom.
E eu continuo andando,
Mas ando sem nada ter, pois disso não necessito.
Porque simplesmente sou,
E a plenitude do ser desconhece a posse.
Porque o ter é um complemento do ser
E eu já não sou incompleto.
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Apocatástase
PoetryEscrito na última fileira de um ônibus público, "Apocatástase" é uma espécie de grito de independência. Ou talvez não.