O Filme Da Minha Vida

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"Eu sempre tive um vida boa, não posso reclamar disso. Nunca me faltou comida na mesa, roupas para vestir, nem nada material, mas afeto sempre me faltou, e muito.
Minha família era de classe média, minha mãe precisava sustentar eu, meu irmão e um pai bêbado.
Eu, como mais velho, sempre apoiei minha mãe, sempre a admirei e comecei a trabalhar cedo para ajudar em casa.
Já meu irmão mais novo sempre ficou ao lado do meu pai. Os dois saíam juntos e voltavam tarde da noite, algumas vezes passavam um ou dois dias fora. Desde pequeno ele já demonstrava que também iria se perder.
Apesar de não ter muito dinheiro sobrando, eu e minha mãe sempre acompanhavámos os filmes e quadrinhos da Marvel. Era a nossa diversão, o único momento que realmente nos conectavamos. Ali eu sentia que tinha uma família, um porto seguro, aquilo era a única coisa normal da minha vida.
Conforme os anos foram passando, minha relação com a minha família foi ficando cada vez mais complicada. Ver meu pai batendo em minha mãe foi uma das coisas que mais me marcaram. Eu entrava no meio da briga, defendia minha mãe, mas no outro dia sempre era a mesma coisa.
Não deveria sentir isso, mas foi realmente um alívio quando ele foi preso por estar transportando drogas. Meu irmão... bom, não tenho notícias dele já faz algum tempo, como eu já dei a entender alguns parágrafos atrás, ele se perdeu no mundo.
Hoje, já com meus 25 anos, também sinto que estou me perdendo. Mas não no mundo, em minha própria mente.
Vivo sozinho em um apartamento no centro de Curitiba, ainda levo uma vida normal tentando me encontrar aos poucos.
Quando o filme Guerra Infinita foi lançado, foi uma felicidade para mim e para minha mãe. Já tinha algum tempo que não saímos ou tínhamos um momento mãe e filho.
A sala do cinema estava cheia, lotada na verdade. Várias passoas com baldes de pipoca e litros de refrigerante.
Eu amava aquela sensação. Todo mundo animado, o cheiro de pipoca recém feita, amava tudo ali, gostava até dá sensação "ruim" de quando saíamos da sala e precisávamos nos acostumar de volta vom a luz do lado de fora.
Guerra Infinita foi um dos melhores filmes que eu já tinha visto até àquele momento, apesar do seu final.
Quando cheguei em casa de volta estava exausto, física e psicológicamente. As horas de felicidade que eu tinha tido foram boas, foram ótimas, mas depois que elas passaram um vazio tomou conta de mim novamente. Já era costumeiro, quando não estava distraído ele sempre aparecia.
Era sábado à noite, se eu quisesse poderia sair e me divertir com alguma garota qualquer, ou beber até esquecer meu nome, mas eu não era assim. Ao menos não queria ser.
Porém tinha uma coisa que eu podia fazer.
Revirei os armários da cozinha até encontrar. Era só um comprimido, era pequeno, descia quase despercebido pela garganta, mas era o suficiente.
Engoli o comprimido e me deitei no sofá, logo adormecendo.
Acordei desnorteado, peguei o celular para ver as horas, 18:00 de domingo. Eu tinha realmente dormido.
Levantei e comi alguma coisa, não me lembro muito bem o que era, essa parte do meu dia ficou embaçada em minhas lembranças.
Lembro-me de me deitar no sofá e desabar. Eu chorei, chorei muito, igual a uma criancinha. Não tinha nenhum motivo aparente para aquilo, eu não sabia de onde as lágrimas vinham.
Aquela dor, eu sempre senti ela, mas agora ela estava explodido. Meu peito doía, o ar faltava em meus pulmões... eu queria morrer.
Fui até a janela, estava no quinto andar do prédio, uma queda certamente me mataria, e eu queria isso, desesperadamente. Eu queria que a dor parasse.
Me escorrei na janela, ainda chorando. Segurei no vidro e olhei para baixo, eu tinha medo de altura, mas na hora ela não me assustava.
No momento que eu ia pular ouvi a porta do apartamento se abrir. Olhei de canto e vi minha mãe. Ela veio até mim devagar, sem dizer nada, seu semblante era calmo, mas sabia que estava desesperada por dentro. Ela pegou minha mão me trazendo de volta para dentro e me abraçando em seguida."

Dobrei o papel em que o texto estava escrito e levantei minha cabeça.

- Ela me trouxe para cá depois, e sou muito grato por isso.

Era estranho me sentir acolhido me despedindo, no meio de um bando de loucos em um hospital psiquiátrico, mas eu me sentia.
Passei pela porta de saída me sentindo novo. Tinha ficado alguns meses ali, não sabia quantos, mas me fez sentir melhor.
Entrei no carro, minha mãe estava me esperando já fazia algum tempo. Ela me abraçou e beijou minha testa, ouvi ela dizendo "Eu te amo" em um tom quase inaudível e em seguida me mostrando dois pedaços de papel e me entregando.
"Vingadores Ultimato", era o que estava escrito. Eram ingressos. .Abri um sorriso.

- Achei que seria bom para você se divertir um pouco depois de tudo isso.

Ela deu a partida no carro, não demorou muito para chegarmos ao cinema. Sentamos em uma das últimas cadeiras e aproveitamos o filme. Comemos pipoca e nos entupimos de refrigerante, pode parecer bobo, mas foi ali que comecei a me sentir vivo de verdade.

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