• Prólogo em 4 atos: Superfície •

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Oxford era como uma bela pintura de Monet no verão, ensolarada e reluzente, seus gramados verdes se estendiam bonitos por todo o campus. Katherine claramente não esperava por isso quando optou por estudar ali, ela detestava raios de sol nos olhos recém abertos, ainda mais porque os dela estavam emoldurados por manchas arroxeadas que evidenciavam suas noites em claro. Por isso usava óculos escuros quando adentrou o café do Campus Central e não fez menção de retira-los quando resmungou para receber seu espresso americano duplo, o mau-humor era de praxe, mas o latejo sobre a sobrancelha esquerda era resquício da noitada anterior a qual ela lembrava-se vagamente.

Uma xícara fora posta a sua frente por "Thomas, o sorridente" como ela o apelidara com desdém, ele era alguém a quem ela detestava tanto quanto aos raios de sol.

 Katherine viera ao Café todos os dias da última semana e apesar do esforço para fazer o pedido com toda aspereza que conseguira reunir, ele entregou sua bebida com uma expressão alegre e complacente sempre acompanhada de comentários engraçadinhos que despertavam o pior lado da garota.

- Ensolarado aqui dentro, né? - Ele dizia com sua voz musical, mexendo nos cabelos louros, o riso torto estampado no rosto enquanto ajeitava os óculos de armação vermelha.

E quando suas palavras invadiam os ouvidos e a compreensão da mulher, ela quase não conseguia segurar a vontade de soca-lo bem no meio do nariz. Uma coisa importante a se ressaltar sobre Katherine é que ela não se sentia impelida a travar diálogos com sujeitinhos otimistas.

Katherine era amarga, Thomas adocicado.

A universidade possuía em torno de dez cafés somente naquele campus, mas esse em especial era silencioso e consideravelmente menos frequentado que os demais devido a sua localização ao fim de uma longuíssima escada, motivo pelo qual Katherine o escolhera, mas no segundo dia algo colocou em xeque a única decisão que considerou sensata até ali: os amigos do barista.

Chegavam sempre no mesmo horário e naquele dia não era diferente.

Mesmo com o rosto enterrado nos braços pode escutar quando eles entraram, seus olhos já reviravam involuntariamente ao ouvir as frases soltas e espontâneas que escapavam de suas conversas superficiais. Eles sentavam-se sempre na mesma mesa, a que ficava mais próxima do balcão e nunca precisavam pedir, pois Tom já sabia exatamente o que beberiam.
Eram três: Daniel, o de cabelos ruivos e dentes tortos que faziam a garota imaginar que era de algum lugar muito britânico como Bolton ou Hampshire, depois o louro bonito que usava botas de crocodilo e Kate não sabia se chamava-se Dougie ou Don e também não fazia a mínima questão dessa informação, sua risada era estridente e na quarta-feira ele tinha imitado vozes engraçadas que levaram ela ao ápice do tédio e por último havia Harry, o pior de todos, pensava ela, ele corria pela manhã, tomava suco de algas e tinha o maxilar inacreditavelmente simétrico, era muito potencial desperdiçado com piadas ruins e amigos meia-boca.

Katherine entendia que as pessoas se dividiam em boas ou más e ela não era uma mulher de meio-termo, jamais ficava em cima do muro, não se questionava depois das escolhas e estava, definitivamente, entre as pessoas más. Até aquele dia, o último da sua primeira semana ou o primeiro do resto da sua existência.

Ela levantou-se da baqueta e conferiu o que já sabia, seu celular estava infestado de mensagens em sua procura, com os olhos nele e os pés no chão, acertou em cheio um dos meninos que havia se deslocado até o balcão, o impacto a fez com que caísse desajeitada aos seus pés, completamente coberta pelo suco esverdeado que ele trazia nas mãos.

- Cuidado, imbecil! - Vociferou tirando os óculos, os cabelos estavam grudados no rosto pelo líquido viscoso.

Harry levantou o corpo esguio da garota pela mão como se ela fosse leve como uma boneca de pano, Kate sentiu o toque quente da palma dele na sua mão muito fria e desvencilhou-se com velocidade, ele arqueou uma sobrancelha:

- Mas foi você quem tombou comigo.

Katherine limitou-se a bufar e passar em direção a porta, não esperava que ele voltasse a segurar seu braço e antes que ela pudesse protestar o soltou com delicadeza.

- Você é nova, né? Talvez a gente se cruze pelas aulas.

Se Katherine não tivesse mudado mais do que queria admitir em uma semana, se ela não se sentisse atraída pelo tom calmo e gentil, se a solidão já não estivesse escapando pelo seu peito talvez jamais tivesse se deixado entrar  em um diálogo. Talvez se os olhos azuis dele não fossem tão imensos ela daria as costas. Mas entre esse emaranhado de se's ela, travada no mesmo lugar, se deixou surpreender quando a própria voz quase saiu falhada ao emitir um questionamento que tinha certeza que não havia passado pelo filtro que existia entre seu cérebro e sua boca.

-Qual o seu curso?

E um sorriso bonito, quase orgulhoso ela poderia dizer, repuxou os lábios de Harry. 

-Música. - Seu tom era sonoro, alto. Ele cantou aquela palavra como se fosse um tilintar. 

E Katherine colocou seus pés imaginários no chão, primeiro porque ela ainda era muito pequena nessa época e constatou que aquilo não teve um fim tão surpreendente assim e segundo porque o sorriso debochado já estava cravado no seu rosto magro quando ela saiu sem olhar para trás. 


No sugar, please.Where stories live. Discover now