capítulo único

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Neste exato momento tem álcool ardendo no fundo da minha garganta. Um ardor que se intensifica quando ponho ar para fora dos pulmões ao respirar. Estou protegida pelas paredes do meu quarto, e pelo clima ameno proporcionado pelo ar-condicionado. O pequeno vidro de geléia que fora transformado em copo comum está na minha escrivaninha, preenchido com vodka japonesa que encontrei dentro da adega dos meus pais. Por sorte não notariam que roubei quase metade do conteúdo e "escondi" a pequena garrafa no fundo do mesmo cubículo de madeira em que estava. Estou deitada na minha cama esperando o quarto começar a girar, ou a minha criatividade estourar como fogos de artifício de ano novo.

     O título desse texto contém a palavra "talvez", o que não estou muito orgulhosa de afirmar. Era para eu ter certeza, afinal essa é a minha intenção. Mas, quanto será que demora para a minha consciência não ser mais exatamente minha? E até que ponto quero chegar com isso? Ainda não tenho certeza, é o motivo daquele "talvez".

     A cada gole o álcool parece ficar mais bebível, mas eu sinto as rugas aparecendo no meu rosto por causa das caretas que faço. Talvez a minha visão esteja começando a ficar mais turva (?)

     O que eu deveria estar sentindo? Mais calor do que o normal? Acho que está vindo.

     Talvez seja melhor esclarecer o resto do título enquanto nada demais acontece – ou pelo menos nada do que eu esteja esperando, ou o que os livros, filmes e séries que retratam consumo de álcool estejam esperando. Uma vez fiquei um pouco bêbada com metade de uma garrafa de cerca de 1 litro de refrigerante de limão misturado com vodka genérica. Dividi com uma amiga. Fiquei tonta e feliz e ela ficava falando pra eu ter cuidado quando andava na rua. Grande parte dos acidentes de atropelamento acontecia com pessoas bêbadas segundo ela. Resolvi seguir suas instruções, afinal ela tinha muito mais experiência com isso do que eu. Agora, pensando bem, também me lembro de não ter achado que aquilo era algo que merecia a afirmação Eu estava bêbada muito mais do que apenas Eu estava tonta e feliz. Este último jeito foi como eu me senti, e nada mais que isso. Foi até um pouco broxante. Além disso, não aconteceu à noite, o que torna o título deste texto válido.

     Nunca bebi demais quando estava fora de casa. Cheguei a pensar que tinha o organismo forte pra essas coisas, mas me dei conta de que bebo muito pouco para chegar a ter qualquer daquelas experiências super legais que o pessoal da minha idade fala, e desastrosa do jeito que os mais velhos – gente como os meus pais – comentam. Hoje talvez seja diferente. Ainda penso se deveria mudar essa sentença. Será que "hoje vai ser diferente" soa mais determinado e destemido, como aqueles jovens que sabem o que estão fazendo quando pegam em uma garrafa de bebida vermelha com nome russo?

     Tomo mais um gole. Penso naqueles vídeos das garotas da minha escola. Vídeos em que elas estão com manchas vermelhas pelo rosto, inclusive os olhos. Estão sorrindo desesperadamente, rindo como hienas. Cabelo bagunçado, amigas e bebida do lado. Era outro nível de embriaguez, um que eu imagino que doeria muito dentro de mim. Um que às vezes me pego pensando ser o ponto fraco delas, o ponto em que eu me daria melhor na vida, longe dessas coisas.

     Mas aí vem Hemingway. Acertei o nome dele. Mas há outros escritores com outros nomes que bebiam e os outros estabeleceram que sua arte era melhor por causa da bebida. E mais alguns outros "mitos pop-intelectuais" do nosso tempo, segundo Stephen King, que também disse que é provável que gente criativa de fato tenha mais propensão a alcoolismo do que de outras áreas. Eu preciso de mais um gole. Ou talvez de vários, provavelmente.

     Não gosto do gosto da bebida. Mas acredito que o problema seja desta bebida. Já tomei outras mais gostosas. Não que elas tivessem gosto de embriaguez, como esta. Só eram mais gostosas e gasosas. Refrigerante para adultos. Parece meio ridículo. Quando for adulta, penso que vou preferir bebida de verdade. Vou escolher entre vinho, uísque ou licor. Provavelmente vou ficar com o vinho, que se aproxima mais das escolhas que faço hoje. Suco de uva para adultos. Terei que lutar para não considerar esse título ridículo. Tem Amarula na geladeira, e tinha um cheiro mais atrativo do que o que estou bebendo agora. Mas era muito mais doce.

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