Capítulo XIX ● Youngjae

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— Então crianças, como foi na escola hoje? — SonHee é a primeira a falar e acabar com o silêncio mortal que havia se instalado na mesa de jantar hoje. Posso jurar que ela está passando os olhos pelo rosto de cada pessoa sentada a mesa, esperando que alguém fale primeiro e comece um assunto. Em outra ocasião, eu seria essa pessoa, mas hoje, mais do que nunca, eu me sinto tão cansado que até mesmo o esforço de levar o talher até minha boca parece grande demais.

Eu não sei o motivo, mas apenas me sinto exausto pra caramba, algo muito confuso levando em consideração o fato de que eu fiquei uma semana em casa sem ir pra escola e apenas falando para Jaebeom onde cada coisa ficava na casa. Acho que é culpa de todo o peso da mudança, Jaebeom é legal, gosto dele, mas ainda é complicado me acostumar com a presença dele aqui. A presença dele não é algo ruim, a mudança que é.

Todas as vezes em que minha vida mudou, foi para algo tão diferente que eu até me perdia na adaptação. Primeiro tinha minha mãe doente, depois não tinha mais minha mãe. Depois teve meu pai triste e SonHee entrando em nossas vidas e mudando tudo. E ai, quando eu penso que nada mais vai mudar de novo, chega Im Jaebeom, com sua voz marcante e seu perfume de dor e muda tudo de novo. Na minha vida as coisas são sempre oito ou oitenta, nunca tem um meio termo, mas eu sempre me perco no meio.

— Foi bem ok. Youngjae e eu vamos fazer um trabalho de história e eu já me sinto cansado antes mesmo de começar. — Yugyeom quem responde a pergunta de minha mãe, soando mais animado do que realmente está. Ele é sempre assim, tem um dom surpreendentemente bom pra lidar com momentos desconfortáveis. Diferente de mim, que só grito e corro, ele fica, pensa, quebra o gelo.

— Do que se trata o trabalho? — Dessa vez foi meu pai quem perguntou, não porque ele quer saber o que fazemos na escola, mas sim porque quer saber se pode ajudar de alguma forma. Não duvido muito que ele possa, ele é quase uma Wikipédia ambulante, sempre sabe de tudo, mesmo que na maioria das vezes sejam apenas curiosidades inúteis. Porém, se um dia eu precisar responder qual a frequência cardíaca do coração do musaranho, eu vou saber responder, tudo graças ao meu pai.

— Sei lá, alguma coisa sobre tartarugas.

— Tarta... do que você tá falando, Yugyeom? — Levanto a cabeça e encaro o lugar onde Yugyeom está sentado, na cadeira a minha frente. Dessa vez eu percebi a necessidade de interromper o assunto, afinal, não sei mesmo de onde meu amigo tirou essa ideia sobre tartarugas. — Nós vamos falar sobre a guerra de canudos.

— Exatamente o que eu disse.

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. — Rio baixinho e escuto meu pai e minha mãe rirem também, apenas Jaebeom fica quieto, comendo calado ao meu lado, como se não estivesse aqui realmente.

— Mas que guerra é essa afinal? — Minha mãe pergunta e eu até abro a boca para responder, mas meu pai faz isso por mim. Como eu disse antes, Wikipédia ambulante.

—Um conflito armado que aconteceu entre 1896 e 1897, em canudos, no interior do estado da Bahia, que fica no Brasil.

— Nossa Youngjae, a gente nem precisa fazer o trabalho, o tio já sabe tudo.

— Sei sim, mas não vou ajudar. É seu trabalho, não meu.

— Não custa nada tentar. — Quase consigo visualizar Yugyeom dando de ombros, com o sorriso sapeca nunca saindo do rosto. Ele conseguia sair por cima até quando saia por baixo, uma das vantagens de ser alto.

— E seu dia, Jaebeom? — Minha mãe troca de assunto e eu agradeço mentalmente. Quanto mais rapido o assunto terminar, mais rápido novos assuntos surgem e mais rápido eles acabam, então mais rápido eu posso subir para o quarto e dormir... Quer dizer, fazer o trabalho e depois dormir.

— Foi interessante, tivemos aula de Química e Jinyoung é muito bom na matéria.

— Isso é bom, mas quem é Jinyoung? — A pergunta de um milhão de dólares, papai. Claro que sei quem é Park Jinyoung e claro que sei que ele ajudou Jaebeom no primeiro dia de aula, mas não tinha certeza se ele continuaria ajudando meu quase amigo com o passar do tempo e aqui está minha resposta. Não era só uma boa ação, Jinyoung realmente quer ter Jaebeom por perto.

— Um amig... AI CARAMBA! — Sinto Jaebeom dar um pulo na cadeira ao meu lado, aparentemente gritando de dor e susto. Todo mundo na mesa fica em silêncio e sem entender nada, esperando o primeiro falar. — Por que você me chutou?

— Meu Deus! Aquela era sua perna? Me desculpa, era pra ser o Youngjae. — Yugyeom responde, não aparentando estar realmente arrependido, e eu até questionaria ele, mas é o Yugyeom, ele tem apenas 1 neurônio funcionando. — Então você é amigo do Jinyoung?

— Você conhece ele? — Não tinha nada na voz de Jaebeom que denunciasse um interesse sincero, ele só estava curioso, algo normal considerando tudo. Mas com certeza havia algo na voz de Yugyeom, dava para sentir as segundas intenções por trás da pergunta que fez, até de longe.

— Todo mundo conhece Park Jinyoung, mas ele não é muito conhecido por ser amigável. — Eu quem respondo a pergunta, porque sei que Yugyeom não conseguiria responder sem gaguejar e ele odiaria isso. E na mesma hora sinto o olhar de Jaebeom em mim, intenso, quase perfurando minha pele.

— Ele foi legal comigo desde o começo.

— Acho que você é exceção. — Dou de ombros e sorrio em sua direção, porque Jaebeom tem esse efeito sobre mim. Eu sorrio sempre que ele está por perto, involuntáriamente, o que não é algo que eu não goste, acho legal. Queria saber se ele sorri de volta, queria poder ver seu sorriso, mas não posso, então apenas imagino como deve ser. Na minha cabeça é perfeito, assim como ele. 

— O assunto mudou tão rapido que eu até me perdi, a gente não ia falar sobre as tartarugas e canudos? — SonHee pergunta, de uma forma tão confusa que faz meu pai e Yugyeom caírem na gargalhada, e eu rio também, e sinto Jaebeom relaxando ao meu lado, aos poucos voltando a respirar, supreendentemente rindo também. É só nessa hora que eu percebo que ele tinha prendido a respiração quando eu o olhei, mas não falo nada sobre isso para ele, e mais tarde, quando ele, Yugyeom e eu subimos para o meu quarto para fazer o trabalho na força do ódio e da raiva, o som da risada dele ainda soa em meus ouvidos, e para mim, parecia muito a risada de um anjo.

Blind • 2Jae (HIATUS) Onde histórias criam vida. Descubra agora