A fazenda Edmond

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    As pálpebras ainda pesavam de sono, seu corpo doía devido ao chão de pedra onde era forçado a dormir. A primeira imagem que sempre via era a parede feita de tábuas de madeira mal encaixadas e cortadas de forma irregular, dando a impressão de que a qualquer momento, a mesma cairia.

    O vento frio e a luz solar que passavam pelas frestas nas paredes e no teto eram seu despertador rotineiro, garantindo que sempre acordaria na hora para trabalhar.

     Levantou sentindo todo o corpo doer,seu peso só fazia as dores aumentarem quando tentava levantar, em todos os seus 17 anos, essa tortura que começara há apenas 1 ano foi a pior de todas, até porque ser escravo não é um mar de rosas para ninguém, as condições de morada eram precárias e era muita sorte sua se conseguisse as 3 refeições do dia, mesmo que fosse o mesmo pão do dia anterior acompanhado com nada além de água, que ele sempre devorava com vigor quando estava comestível.

    Saiu andando pela cabana, passando de fininho pelos outros que ali dormiam, todos como ele, marginalizados e escravizados apenas por nascerem como são, sem a menor culpa de terem sido amaldiçoados.

     Anos atrás, um humano havia adquirido grande poder e foi consumido por ele. Escravizou boa parte da humanidade e realizou atos terríveis com todos. Até que surgiu um guerreiro, que havia adquirido o poder de uma espada sagrada que conseguiu vencer o poder maligno. Antes de morrer ele amaldiçoou a todos.

    Essa maldição se mostrou não muito tempo depois, quando os primeiros híbridos nasceram, humanos combinados com animais. A princípio os humanos os temiam, até perceberem que estes possuíam habilidades físicas sobre-humanas. Então fizeram o que os humanos fazem de melhor, se aproveitaram disso. Começaram a escravizar híbridos  e, em pouco mais de 1 ano, a escravidão humana tinha sido quase extinta, dando lugar a escravidão de híbridos.

    Beat, como era conhecido nas ruas, havia sido abandonado quando tinha 5 anos por ser metade porco-espinho,  desde muito cedo teve que aprender a roubar para sobreviver. Havia sido pego aos 16, quando tentou bater a carteira de um guarda, este conseguiu ser mais rápido e pegar o garoto. Sua sentença foi ser levado a Fazenda Edmond, um dos piores lugares onde se escravizam híbridos, comandado por Richard Edmond, um rico lorde que sempre faz tudo por seus filhos, mas que se mostra outra pessoa quando o assunto é o trato de seus escravos.

    Saiu rapidamente do alojamento, olhando por fora, parecia um estábulo assombrado e abandonado, que cairia no primeiro vento, não importando sua força.

    Seguiu pela estrada de terra batida  até o grande casarão que ficava no centro da propriedade. Era imenso, feito de pedra, em um estilo bem rústico,por dentro, os pisos e janelas estrategicamente colocados davam a impressão de que era ainda maior. E Beat era obrigado a limpa-lo  todo diariamente.

    Após se dirigir até o refeitório do palácio e engolir sua refeição fria ele começou a limpeza.

    Boa parte do período da manhã foi tranquilo, ele tinha conseguido limpar quase todo o primeiro andar. Havia acabado de encerar o último corredor e, quando se virou para pegar o balde, uma pedra o atingiu bem em seu nariz, a força com que foi arremessada combinada com a surpresa de ter sido acertado fez com que fosse caísse de costas deslizando pelo corredor recém encerado.

    Pela dor que sentia, sabia que seu nariz havia quebrado, e sentia o sangue escorrendo dele.

    Havia ficado um pouco tonto com o golpe, mas quando sua visão se regulou, olhou para a direção de onde a pedra veio. Tudo o que viu foi o chão todo arranhado por causa de seus espinhos e, ao fim do corredor, três guardas que se acabavam de tanto rir.  

    Ambos os guardas do lado eram jovens, cabelos bem cortados quase em um estilo militar, usavam quase toda a armadura e eram mais altos que o terceiro.

    O terceiro guarda usava um elmo que lhe cobria o cabelo (se é que tinha algum), seu rosto era enfeitado com um bigode e uma barbicha,sua barriga era bem avantajada e, preso em sua cintura, havia um saco de couro com pedras dentro.

   - Hahahah!!! Acho que com esse acerto, podemos duplicar minha recompensa da aposta não é rapazes?!? - disse ele olhando para os outros dois.

   - Nem pensar comandante, você só acertou porque ele se virou, então você continua recebendo apenas suas cinco moedas de prata - disse o guarda da direita.

   - Mas temos que reconhecer que foi um disparo impressionante, acho que merece um aumento - respondeu o da esquerda.

    - Então façamos o seguinte, se o capitão acertar bem no centro da testa dele você dobra a recompensa e eu triplico, mas se não, ele fica sem nada. O que acha capitão? - disse olhando para o homem gordo.

    - Eu digo: se preparem para me dar quarenta moedas de prata garotos.

    Dizendo isso, o homem gordo pegou uma pedra em seu saco e pôs-se a mirar no híbrido que jazia sentado no chão.

    Quando a pedra foi arremessada, Beat, que havia ouvido a aposta, virou sua cabeça, fazendo com que a pedra acertasse sua bochecha, dessa forma, caindo no chão outra vez.

   - Nãããão!!! - berrou o homem gordo - Eu só errei porquê ele virou a cabeça!!! - completou.

   - Isso não é desculpa, comandante - disse o da direita - você mesmo viu que a bochecha dele que foi acertada, então, mesmo que ele ficasse parado, você acertaria a boca dele. Então você ficaria sem nada da mesma forma - concluiu.

   - Você me fez perder tudo!!! - disse apontando para beat, que estava se levantando de seu último golpe - Agora você me paga!!!

    A ira fez com que o capitão pegasse mais pedras e continuasse a atirar no pequeno híbrido. Que pôs os braços cruzados na frente de seu rosto, para  proteger seus olhos.

    Elas acertaram vários pontos do pobre garoto, joelhos, antebraços e barriga foram os mais prejudicados. Cada pedra que era acertada, cada dor que ele sentia, só servia para aumentar a sua raiva, raiva de todos os humanos, por fazerem coisas desse tipo apenas por ele ter nascido daquele jeito, por ter mais resistência que um deles, achavam que podiam jogar pedras nele.

     Tudo no que ele pensava era em sua raiva, que ficava maior a cada segundo, até que decidiu se entregar a ela e agir por seu instinto.

     Agarrou uma das pedras que estavam no chão e, sem precisar de muito tempo para mirar, a arremessou. Ela voou certeira até a pedra que o capitão dos guardas segurava, fazendo-a cair.

    - Você atirou uma pedra em mim? - disse o guarda com cara de espanto - Você, um reliz escravo, atirou uma pedra em mim!?! - gritou enquanto sua cara ficava vermelha como pimenta - Agora verá o que alguém na sua posição merece!!!

     - Capitão! Sabe que não pode fazer isso! - disse o guarda da esquerda.

    - Cale-se!!! - disse ele empurrando o guarda - Não recebo ordens suas!!!

    Levantou a mão deixando a palma virada para si. Nas costas da mão havia uma joia na manopla em que ele usava,ela começou a brilhar em um tom vermelho sangue. Um pequeno fio saiu da pedra, se ligou onde seria o coração de Beat e depois sumiu.

     - Espero que aprenda sua lição - disse enquanto estalava seus dedos.

     Parecia que seu corpo queimava por dentro, como se seu coração tivesse virado uma fornalha que bombeasse fogo por suas veias. Respirar também se tornou um desafio, como se fumaça enchesse sua garganta. Suas mãos se dividiam entre apertar seu coração e tentar liberar o ar para sua garganta.

    Seu corpo arqueava em agonia esofrimento, não havia um centímetro que não estivesse queimando como se estivesse exposta ao fogo.

    Um segundo estalo encerrou o sofrimento de Beat, suas pálpebras pareciam pesadas e sua visão turva. O capitão se aproximou do corpo estirado do garoto, que já não era capaz de se mover.

    - Espero que você tenha aprendido sua lição: jamais me desafie, ou sofrerá as consequências. Tirem-no daqui, agora.

    Essa foi a última coisa que o escravo ouviu antes de desmaiar.

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