Nos perdemos nas entranhas do desejo, a maçã se fez parte principal do desfecho. Entraram nas raízes
fixadas na profundidade do tempo o combate da razão e nos perdemos na escuridão do ego.
Na medida que o habito nos enforca ecoa em nossos corações o inferno dos homens : A solidão.
Como aves no amanhecer fervilham em nossas mentes nossos demônios e fugimos para o circulo do vazio. Evidente que o nosso carrasco nos protege de nós mesmos dando-nos colo e ouvidos, iluminando essa estrada em busca de sentidos.
Um estrondo dos vagões parando soa como um trovão, o trem volta a balançar chacoalhando todos aqueles mundos, cada um em sua órbita, em uma solidão coletiva. Aquela luz amarelada piscando, o alumínio de suas paredes eram tão frios quanto nós. Eu sempre com meus óculos escuros que me davam a impressão de estar invisível , afinal , eles são bem mais do que proteção e moda , eles escondem meu estado de espírito se cobrem as sobrancelhas . Entre uma estação e outra pessoas eram escorridas para fora como um ralo e outras entravam , se empurrando , com seus olhares vazios . Uma moça atende um telefonema e cai em prantos, ao se jogar ao chão gritava : - Não , não meu irmão não meu Deus , meu irmão levou um tiro , meu Deus meu irmão morreu , socorro!
Aquela moça morena, cabelos castanhos , unhas bem feitas, roupas simples, era a única coisa que poderíamos ver , ninguém se sensibilizou, não viram mais do que isso, nada da pessoa , do ser humano e sua dor . Todos mantiveram seu transe, seu silêncio ,aquela solidão coletiva e ela sofreu até sua estação sozinha. Estação consolação dizia aquela voz mecanizada . Coitada! Só o trem para lhe levar a Consolação.
Já estava tarde mas não há como suportar a mecânica da rotina sem ao menos um intervalo para alguma distração e decido fumar um cigarro. Compro um café em uma banca improvisada de madeira a beira da calçada, olho as frutas sem brilho, os petiscos pendurados com barbante, a lona amarelada cheia de furos , os caixotes molhados delimitando o espaço da banca. Em uma vasilha de plástico cheia de cigarros misturados um senhor retira um deles e me entrega junto ao café. - Quer acender ? Diz o velho de maneira automática. Eu respondo : - Obrigado eu tenho fósforo. Antes de terminar de falar o velho já tinha virado as costas e voltado para seu jogo de baralho junto aos moto-taxistas que perdiam tudo que apuravam no dia os aprisionando as condições cada vez piores. A cada trago no cigarro um não ao pedido de algum mendigo, a cada gole de café azedo a decepção com a compra de um café requentado . Cinza , fria e suja , aquela estação é presente na vida de tantos mundos que vos passam , todos apressados desviando dos cachorros e mendigos que disputam as sobras. Eu me pergunto ao olhar-los, estes homens/cães , o que os levou a isso? Eu mesmo já pensei em desistir de tudo é viver sozinho, a solidão física é menos dolorosa do que a solidão acompanhada. Mas o mundo te arranca para sua roda, não há tempo para escolhas para grande maioria das pessoas. Acredito que muitos se decepcionaram vertiginosamente com suas vidas anteriores e talvez esta seja uma dor somente física e não mais espiritual .
Enquanto os olhava dei conta que meu ônibus havia passado e vejo que a única forma de alcançar é correr e atravessar uma praça extremamente escura e perigosa enquanto o ônibus esta parado no sinal . Corro desesperadamente sem ver um palmo a frente só a via iluminada ao lado oposto da praça, perder aquele ônibus significa ter que caminhar mais de vinte quilômetros até chegar em casa passando por bairros extremamente perigosos. Enquanto focava no ônibus , piso em um buraco e caio com todo peso em cima dos dedos da mão, mas não posso parar é imediatamente levanto e sigo correndo sem sentir os dedos da mão , decido olhar-los somente quando chegar no ônibus . Ao para-lo entro gelado com cansaço e dor , sento e a sensação é de ter deixado os dedos na praça. Olho e vejo todos já inchados, e lembro que não posso engessar a mão, a supervisora de segurança-do- trabalho não me deixaria trabalhar e eu como terceirizado não posso faltar o trabalho . Durante a viagem penso no trabalho , não é para um operárido como eu uma livre aplicação de energia criativa , não é nem mesmo para uma necessidade que não seja externa a isso, sendo algo forçado ,uma mortificação. Somos capazes de transformar a natureza nos diferenciando do animais , mas a própria natureza do trabalho e sua alienação nos aprisionou , a criatura dominou seu criador.
Sigo indo normalmente ao trabalho e sempre ao sair dele de volta para casa penso no fim de nossa relação . - De fato minto e mentirei até que essa mentira torne-se verdade pois se é verdade que mentindo ou não não mudo o fluxo dialético da realidade, de qualquer forma a mentira e a verdade
nos sufocam, por tanto, minto e minto
verdadeiramente em dizer que não sinto nada por você.
Entro em um café e resolvo escrever um conto e deixar na porta da casa dela é sair correndo como uma criança ao apertar uma campainha. Não posso ser melodramático , mas preciso fazer ela pensar , tenho certeza que era o que mais chamava atenção em mim . Tudo pronto , caneta , papel e café ao som de King Crimison .
Escrevo : Abandonastes o doce caminho pelo atalho do bosque sombrio. Os pássaros, a calmaria da estrada pelas sinuosas veredas desconhecidas. Quisera chegar ao ''fim'' sem compreender o significado do "começo" e com a ânsia de vive-lo abandonou a estrada. Andastes maravilhada tocando sua doce flauta canções que despertavam a floresta passo a passo a receber as flores e perfumes que com gracejo a floresta oferece aos andarilhos. Procurava forças para continuar até que de súbito com o retumbar da consciência compreendestes que na escuridão da floresta não levaras ao "fim" desejado e que os gracejos são só e para os andarilhos. Mas andastes dias e dias e o caminho a prostrasse no infinito dos dias não encontraras mais, porque encheste de flores, matos e fruteiras igualando-se assim a sua floresta, portanto deixou de ser o seu antigo caminho!
Conto pronto sigo para a casa dela, cruzei a cidade pensando como seria sua reação. Chegando a frente daquela casa onde por tantas vezes entrei , me sinto borbulhar por dentro . Deixo a carta e retiro rapidamente , a cada passo a sensação muda , certo , errado, certo , errado , de fato amor e orgulho não caminham juntos. Na mesma noite ela me liga e com uma estranha formalidade me convida para sair, eu imagino que tenha dado certo e aceito. Trinta minutos antes do combinado estou la para aguardar trinta minutos depois do horário combinado. Ela estava diferente , tudo parecia ser mais teatral do que real , como se fosse algo meticulosamente planejado . Ela chegou , me cumprimentou e sorriu , sentamos e conversamos como alguém que havia se conhecido a pouco ela sempre administrando aquele encontro . Terminamos a noite em sua casa, ela bêbada e eu mais triste do que antes em pé naquela sala olhava aquela cena pensei : a noite ao deitar enfadada no sofá de lembranças escuta o silencio, ele é sincero, cansada da verdade da noite,
da promiscuidade social onde as noites são lindas, o manto negro estrelado cobre as horas de solidão coletiva embaladas pelos sons de desejos e de olhares fantasiosos.
Deita teu corpo de cera impregnado de cheiros de cigarro, álcool e perfumes alheios. Desata as sandálias da beleza a esta hora já não mais lhe servem, tens agora só o silencio e este não incomoda-se com tua aparência,
usa-as para derrubar as cinzas do derradeiro cigarro, desmancha o penteado deixa os sedosos negros cabelos assentar-se em suas formas.
Deitada estática como um anjo torto,
Olhar perdido deixa cair uma lagrima
Será de sono? Ao virar-se de lado
como quem quebra um encanto
da o ultimo suspiro a ausência
e debanda-se ao mundo da liberdade!
Desde aquele dia nunca mais nos falamos, eu nunca imaginei que pudesse prever nossa historia através um conto.
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Solidão Coletiva
Short Storyestado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento.