A história da linhagem do destino

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-Marta Filipa Duarte Reis, dê um passo em frente, por favor.

Todos na plateia miraram-me de uma só vez, toda aquela situação deixava-me nervosa, mas tinha de ser, tinha de conseguir, tinha de cumprir o meu destino e demonstrar a minha vocação. Não poderia deixar os meus medos controlarem o que restava das minhas forças ou da minha coragem e todas as minhas inseguranças teriam de ser ultrapassadas naquele auge onde quem era, era simultaneamente quem me tornaria. Dei então o temido passo em frente, com as minhas pernas magras e esguias a tremelicar, desejando que olhassem para além de mim e que pela primeira vez a minha aparência me dessas capacidades para me esconder entre as partículas do ar. E todas as vezes em que me sentia invisível se juntassem de uma só vez numa explosão tão grande, que as pessoas atentas como sempre e curiosas à catástrofe, se focassem nesse barulho, no rumor sonoro das minhas palavras e não da minha aparência, como sempre o tinham feito.

Não fui a primeira, em lugar disso, substituí outra pessoa, uma que tinha feito soar tão alto a plateia, que o barulho continuaria a vibrar nos meus ouvidos sempre que pensasse no que teria de conseguir realizar para ascender e ultrapassar algo.

A sala era enorme e cinzenta e tão distante ficavam as paredes que precisava de focar a minha vista já deficiente (que tinha tentado curar com a implementação de lentes diárias), numa tentativa inútil de visionar os meus pais, orgulhosos e desatentos à realidade, pois nunca tinham valorizado quando realmente queria e precisava, as minhas capacidades.

Aquele era o momento. Tinha crescido entre livros, até me separar deles, por precisar de algo mais... De uma história onde o presente da leitura fosse simultaneamente o presente da escrita e da criação e só eu, só o sujeito, o autor, poderia realizar algo semelhante assim. Não consegui evitar, escrever é tão profundo e tão distante do mundo e tão próximo de mim mesma, que me deixei transportar pelo íman presente nos espaços entre as palavras, onde poderia adicionar mais e mais, indefinidamente e infinitamente.

Tinha vestido calças para esconder a minha cicatriz do joelho, não é que ainda não a aceitasse, existiam outras coisas no meu corpo que eu desejava eliminar mais ou esconder para todo o sempre. Queria que as pessoas se concentrassem na história, não no meu joelho, não nas suas teorias sobre como a teria causado, mas sim, pela primeira vez, em mim.

Estava calor. Deveria ter trazido algo mais frio, mas iria dar nas vistas, afinal de contas é Inverno. Já estava arrependida. Talvez não devesse ter vindo a este estúpido concurso. O que é que fui fazer?

Um dos júris mais assustadores e rígidos levantou-se, agitou o saco vermelho no ar e pediu a outro júri para retirar 7 papéis: o meu número preferido. O meu coração começou a acelerar, olhei para a plateia novamente, umas 500 pessoas estavam sentadas em silêncio e, à frente, estavam os meus oponentes, alguns já tinham falado, outros iriam falar. Porém, agora, mesmo naquele segundo a seguir, iria ser a minha vez, a vez de contar a minha história. Não seria a minha história de vida, credo, essa história só envolve 18 anos de aborrecimento e decisões adiadas e para essa história já escrevo noutro local. Seria uma história súbita, algo que todos seríamos tomados de surpresa, porque, em primeiro lugar, os papéis saídos seriam inesperados para todos e, em segundo lugar, porque a minha história partiria de locais de criatividade da minha mente e não de um livro qualquer ou de um panfleto memorizado.

A mulher levantou a voz para mostrar e divulgar a palavra saída no primeiro papel:

-Amor.

O meu coração palpitou, irónico e sarcástico como sempre. A sério, amor? Um dos sentimentos mais universais? Um dos sentimentos mais presentes diariamente em todo o lado (além do ódio, porra, nem sei qual dos dois está mais constante na cultura ultimamente). Bem, comecei logo a pensar em histórias de amor, Romeu e Julieta foi logo a primeira em que me lembrei e que final trágico foi aquele, nunca a tinha lido, mas o filme tinha-me marcado. Estava farta de finais felizes: não há nada mais marcante como algo calamitoso. Oh e esperem, não queria roubar ideias de outros escritores, queria originar algo novo e singular, algo que a minha mente e a sua capacidade presa algures (devido à evolução desejar esconder a verdade sobre o universo) me permitissem dar uma estalada nos copiadores e roubadores de ideias. Todavia, criar algo novo era quase impossível, ou mesmo impossível, estamos tão influenciados pelos outros que até para pensar em algo diferente associamos ideias e esboçamos o conjunto desses conceitos, eu queria algo tão difícil como criar uma cor nova ou um animal novo e intactamente sem qualquer característica dos seus contemporâneos ou passados. Algo simplesmente futurístico. Talvez, antigamente fosse mais fácil criar algo assim, quando o nada era o tudo e se podia agarrar em qualquer coisa e em qualquer necessidade e voilà, nascia o amanhã. Isto é um pouco trocista, eu nunca seria capaz de criar um avião ou a eletricidade ou mesmo o fogo, elemento à qual tenho um pavor imenso. Fogo não, por favor. Dêem-me água e eu serei feliz a nadar eternamente nos oceanos tranquilos.

A história da linhagem do destinoWhere stories live. Discover now