Os cabelos negros dela me chamavam atenção todas as vezes em que passava. Seja de casaco ou de short, não conseguia parar de pensar.
- Deixa eu adivinhar: tá pensando na Mari de novo? - perguntou o quatro olhos.
- Cala a boca... - respondi, e continuei encarando Mariana.
- Olha, se você gosta tanto dela, porque não chama ela para sair?
- Não cara, tá maluco. Ela nunca aceitaria - falei.Ele fechou o armário.
- Só perguntando que se sabe.
- Vai pra tua aula, vai, ô quatro olhos - falei.
- Isso é bullyng! - Gritou ele rindo, enquanto ia para a aula de matemática.Ela não aceitaria, era óbvio. As únicas duas vezes que nos falamos foi na aula de inglês quando ela perguntou a hora, e no refeitório quando disse que as almôndegas tinham me causado diarréia.
Acho que é melhor esquecer essa segunda vez.
(...)
João era estranho. Ele come o hambúrguer com garfo e faca e só bebe suco de uva. Não consegue aprender nada que sai da boca de um professor e ama Mean Girls.E é gay. Não que isso mude algo nele, mas é bom dizer.
Na terça, ele foi pego colando na prova de Química.
- Eu tenho certeza que a Matilda não vai se tocar do celular - falou ele uma hora antes da prova.
- Não sei não João - retruquei.
- Confia. Você mesmo disse que não estudou e quer passar na prova!
- Eu sei o que eu disse - falei. - Mas não tem outra maneira... talvez menos, estranha?
- Não acho que um celular escondido numa calculadora simulando uma calculadora digital seja estranho - disse João.
- Não sei - falei.Paramos na frente da sala.
- Olha, faz o que tu quiser. Eu vou estudar um pouco na biblioteca - decidi.
- Certeza? - perguntou o quatro olhos.
- Tenho. Vai preparar tua calculadora.Deixei ele na porta da sala de Química e fui indo a biblioteca.
- Não vem chorar se levar bomba! - gritou João.
Mostrei o dedo do meio e deixei ele lá.
Como falei antes, a professora Matilda pegou ele no flagra. Sorte minha que recusei o método, mas fiquei triste pelo quatro olhos, já que não é nada legal ter que ficar depois da aula escrevendo uma redação sobre "Porque não devemos colar na prova".
Patético.
(...)
- Bom dia pessoal. Abram o livro na página 127, por favor - disse a professora.
A aula de Francê era a mais odiada por todos. Não pelo francês, mas sim pela professora. Ela só abria os livros e fazia com que lêssemos frases aletórias. Como se alguém fosse aprender assim.
- João, quer ser o próximo? - Perguntou ela.
João tremeu na base. Ele não entende muito de francês nem da França. E nunca provou um macarroni... macarron... aquela comida lá.
- Cla... Claro - respondeu ele.
- Vamos lá então: leia o enunciado da questão 48 por favor.
- Certo - respondeu ele. - Vamos lá... questão 48... ih essa é moleza... 48... Estou procurando ok prof? Questão, questão...- Répondez aux question, professora - falei rapidamente, interrompendo João.
- Ah. Está correto... como se chama?
Metade do ano e ela não sabe meu nome numa turma de 25 pessoas.
Diiiiiiing. Sinal tocou.
- Muito bem. Na próxima aula teremos teste de pronúncia. Quem responder certo ganha um bombom!
Patético.
João me abordou na saída da sala.
- Ei! Obrigado por me salvar daquela frase.
- Não foi nada - respondi - mas me deve um suco.
- Beleza - disse ele.Enquanto ríamos de uma piada aleatória no meio do corredor, senti um perfume que não me era estranho. Era dela. A dona dos cabelos negros. Sozinha.
- Ô francês - disse João, interrompendo meu momento - porque não aproveita pra falar com ela?
- Tá bom - disse, e fui em direção a ela.- Eita porra - murmurou o quatro olhos, surpreso.
Eu estava hipnotizado por aquela garota. Não sei se foram os cabelos ou o perfume, mas eu me vi andando em direção àquela beldade.
- Oi - falei.
- Oi! - falou ela. - Quem é você?
- Eu...Foi como se alguém estalasse os dedos na minha frente. Acordei.
- Eu tenho que cagar. - Falei e saí correndo.
Ela ficou com uma "cara de cu" me olhando ir ao banheiro.
Entrei nele desesperadamente. Um menino de óculos escuros estaa lavando as mãos. Tentei me enturmar:
- Oi garoto.
- Garote.
- Como é?
- Eu sou bigênero.Não tinha conhecido essa parte do universo LGBTQ, mas ok.
- Ah, entendi. Sabe que horas são?
Elu olha no relógio.
- Duas e meia.
- Jesus! Tchau!A aula de biologia havia começado as duas e dez. Saí correndo do banheiro, desesperadamente. Vi uns três ou quatro vultos olharem para mim espantados, talvez porque eu corria como uma galinha estabanada.
Derrepente, pow.
Esbarrei na Mariana.- Ei! - gritou ela.
- Ai meu Deus... desculpa Mariana! - respondi.
- Como é que você sabe meu nome? - perguntou ela.Boa pergunta. Eu descobri seu nome enquanto ouvia uma conversa dela com uma amiga, já que meu nervosismo não me deixava perguntar.
- Pela vida, ué - respondi, sarcasticamente.
- Qual teu nome, afinal? - perguntou ela.Finalmente ela saberia que eu existo, quer dizer, alguém além de um vulto nos corredores.
- Júlia - respondi nervosa.
- Mariana. Quer dizer, você já sabia, então...
- É - dei uma risada tímida.
- Então, cuidado ao correr Júlia...
- Ju! - falei. - Pode me chamar de Ju.
- Tá bom então Ju. A gente se vê pela vida então - ela fez uma arminha com a mão, atirou em mim e foi embora."Aleluia" foi a primeira palavra que veio na minha cabeça depois daquela conversa. Agora a Mariana sabia que eu existia.
- Viaaada! - João brotou atrás de mim. - Quem diria garota!
- Cala a boca, olho de vidro.
- O que houve com o "quatro olhos"? - perguntou ele.
- Matei.
- Credo mulher. Enfim, vamos para a aula do cheira-bode?
- Vamos nessa - respondi.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mariana e o Quatro Olhos
Teen FictionUma jornada através do coração de Mariana. Depois do primeiro oi, Júlia sente que não pode deixar aquela garota escapar, não importa o que aconteça.