Lago

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Eu e o meu pai gostamos de pescar. É como um ritual nosso quando visitamos a velha casa de meu avô. Desde que me lembro tenho gosto por pesca; deduzo que esse costume venha de meu pai, mas depois de um tempo, tenho notado coisas estranhas no lago: os peixes... eles ficam parados, olhando para o barco onde estamos. Isso não é normal, eles não têm esse comportamento. Parecem ler minha alma...

Meu pai diz que estou sonhando, que provavelmente é a insolação, mas é tão estranho, já tem semanas que isso vem acontecendo. E junto disso, o nevoeiro tem se intensificado mais nesses dias. Estou com medo que fiquemos algum dia encalhados sem saber qual o lado certo de remar.

Decidimos ir mais para o meio do lago de manhã. A névoa ainda está meio baixa, porém não dificulta nossa passagem, mesmo que ache que os peixes não estarão tão ativos. Papai pensa o contrário. Pegamos poucos, diferente de quando viemos de tarde, que pescamos mais. Entretanto, sinto que vi algo entre a névoa e estava nos observando, pareciam galhos no meio do lago, mas acho que não eram... Quando chegamos à doca, olhei para trás e lá estavam os peixes nos olhando, estáticos como num rigor mortis.

Fomos para a pequena cabana de madeira, onde preparamos a comida e fomos tirar alguns minutos de descanso, cada um em seu quarto. Fiquei refletindo sobre as coisas estranhas que vinham acontecendo. Não podia ser insolação, ver a mesma coisa todos os dias não é delírio por falta de água.

No dia seguinte, papai quis ir de manhã novamente e fiquei com receio de que o que nos observava notasse que íamos agora de manhã também. Estávamos no meio do lago quando senti que algo estava errado: os peixes não estavam ali nos vigiando. Sentia que algo estava prestes a acontecer... Queria estar tão errado... Ao longe vi bolhas subindo na água e pequenas ondas surgirem gradativamente até que uma monstruosidade surgiu dali. Era gigantesco, grotesco. Tentáculos saiam de sua boca cheia de espinhos, nas pontas desses tentáculos, peixes enfincados como uma isca para os idiotas que pensassem em pegá-los, para então morrerem tão cruelmente quanto aqueles animais. Seu corpo parecia escorregadio e cheio do que pareciam calombos com pequenos buracos neles, eles eram o que soltavam a névoa: aquela cortina branca saia em abundância daqueles furos... não tínhamos escapatória, morreríamos de qualquer forma.

Um de seus braços caiu direto em nosso bote, destruindo-o em mil pedaços, lançando a mim e a meu pai para longe; estávamos separados e desorientados. Quando recobrei os sentidos, estava afundando. Prendi logo a respiração, tinha que ser rápido antes que morresse afogado. Quando consegui pôr minha cabeça acima das águas, minha visão correu à procura da única pessoa que me restava, mas não o encontrei a princípio. Eu estava bem no meio da névoa densa e não conseguia ver absolutamente nada, nem a coisa.

Nadei chamando meu pai às cegas depois de ouvir um grito, para então ver a coisa, a que parecia galhos. Não era tão aterradora quanto a que estava na superfície da água, mas assombrosa do mesmo jeito. Fiquei paralisado, com certeza não seria mais rápido que aquilo, se não era por um, seria pelo outro que minha vida se findaria. Curiosamente essa criatura foi embora, desaparecendo em meio ao nevoeiro.

Voltei para minha busca, tentei seguir os gritos e gemidos de dor de meu pai. Pensei que estivesse ferido pela pancada do monstro, mas encontrei-o onde menos queria, nos braços do monstro. Ele gritou, esperneou e pediu misericórdia, mas essa última ele não teve. O monstro arrancou sua cabeça, para então jogá-la na água e se deliciar com as entranhas de meu pai. Nunca esquecerei dessa cena. Não sobrara nada. Depois de comer o que havia dentro do corpo, passou a comer os membros. A coisa foi embora, levando meu pai, precisamente, o que restou de quem foi meu pai, deixando para trás seu braço, o qual passou por mim boiando no lago para desaparecer no nevoeiro.

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⏰ Last updated: Feb 02, 2020 ⏰

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