Capítulo 6: Guilherme

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Eu sou tão idiota. Meu deus, muito idiota. Como que eu fui fazer isso? Ok, ele não ajuda, com aquele corpo pequeno, mas tão chamativo, tão bonito, tão... Ahrg! O que é isso? Como que eu posso estar prestando tanta atenção em um corpo de um garoto?! Como? Agora, toda vez que nos encontrarmos, o clima vai ficar estranho. Que beleza. Eu tenho que me controlar, tenho que prestar mais atenção nas minhas ações. Mas, afinal, por que eu ia fazer isso? Será que... será que eu... não, eu não estou a fim dele, eu nem o conheço direito.
Como era intervalo do colegial, eu fui encontrar meus amigos. Eles estavam no lugar de sempre: na escada que leva a quadra. Me aproximo e apenas Ben repara. Ele é meu melhor amigo desde que éramos crianças. Ele me ajudava com os estudos, tanto por eu nunca ter ido muito bem, tanto por ser a pessoa mais inteligente que conheço. Ele me olha por alguns segundos e já sabe que algo me incomoda.
- E aí, cara? Você 'tá com uma cara de quem morreu de um jeito idiota e renasceu por conta disso.
Eu nunca entendia as comparações que ele fazia com as minhas reações, mas era engraçado e mostrava o quão criativo ele era.
- Não foi nada, mas e aí? Sobre o que vocês estão falando?
- A prova de hoje, que estava difícil para um caralho.
- Prova?! Que prova, que eu não estou sabendo?
- A prova de física, ué.
Nesse momento, eu paro. Tinha esquecido completamente da prova, e cabulei a aula. Agora sim que eu me fodi. A Maya vai comer meu cu. Tenho que, pelo menos, fazer todas as provas e me esforçar, mas acho que nem isso eu consigo. Mais um zero para a lista, yey.
- Em, eu meio que cabulei a aula de física.
- Vish, você tá ferrado, cara.
- É, pelo visto sim, mas dane-se, um zero não vai mudar meu boletim. Eu vou até que bem em física.
- Você gosta do seu 6, né?
- Enquanto for acima da média, eu vou amar.
- Você nunca aprende, mas enfim, vai para o treino hoje?
- Claro. - À tarde, temos treino de futebol que a escola proporciona para quem se interessar, e eu sou o capitão do time, jogando como atacante e Ben é goleiro. – É o que eu mais gosto nessa escola.
O sinal toca e vamos para nossas salas. Minha próxima aula seria química, o que queria dizer que teria que encarar o Nicolas de novo e evitar o máximo de pensar naquilo. Mas me veio uma ideia sobre nosso trabalho. Será que ele vai gostar? Espero que ele não me estranhe.
Chego na sala, me sento ao seu lado e espero. Ele já tem o notebook aberto, mas a página do Word ainda está em branco. Tomo coragem na fala e olho para ele. Ele parece tão distraído, com os lábios entreabertos e os dedos tamborilando na mesa o Código Morse de "ideia". Foco. Aqui vai:
- Nicolas, eu tive uma ideia para nosso trabalho.
Ele me encara um pouco surpreso. Parece que não esperava que eu pensasse no trabalho.
- Hum... Qual a sua ideia?
- Que tal falarmos sobre o amor? Acho que todas as matérias estão envoltas. – Coro um pouco enquanto falo, mas minha voz não treme, graças a deus, já ele, ele cora muito e, inconscientemente se afasta um pouco.
- É-é uma ideia criativa, mas não sei se... – A fala dele morre aos poucos e ele para de olhar para mim, passando a mirar o chão, ainda corado.
- Se...?
- Sei lá, vamos usar sua ideia, porque estou totalmente sem criatividade.
Ele muda o título de "Trabalho Interdisciplinar" para "Amor, uma ciência desconhecida". Devo admitir que gostei bastante do que ele foi escrevendo como introdução:
"O amor a muito tempo é representado e expresso de formas diferentes. Seja pela arte, pelo afeto, pelo olhar, o amor nunca foi entendido de fato. Alguns dizem que o amor é deus, outros, que é apenas um jeito de aceitar que temos que nos relacionar com outras pessoas. O amor é dividido em quatro partes: Eros, o amor que representa o desejo; Ágape, o amor que representa o auto sacrifício pelo outro; Philia, o amor que representa a amizade; Storge, o amor que representa a afeição fraternal e paternal."
Como ele sabia tudo isso, eu não sei, mas não me importei, apenas me considerei sortudo por tê-lo ali fazendo essa parte de escrita. Peguei o meu notebook e pesquisei no Google: a química no amor. Apareceu um monte de coisas, tais como livros e textos poéticos, mas um site no final da quinta página tinha o que eu queria. Passei todas as informações que considerei útil para meu caderno. Nem percebo quanto tempo teria se passado, mas a professora se levanta.
- É isso por hoje. Vocês poderão continuar o trabalho na próxima aula ou poderão se reunir para continuar em casa. Lembrando que esse trabalho vale como a prova final do semestre para as matérias envolvidas. Estão dispensados.
Nicolas salva o trabalho e fecha suas coisas. Ele está pronto para sair quando eu me levanto rápido e pego sua manga, com vergonha demais para pegar sua mão.
- Venha para minha casa amanhã a tarde. Tenho treino hoje, então não dá, mas amanhã não tenho nada.
Ele me olha por um período que parecem anos e responde:
- Amanhã tenho japonês às 13:00, mas depois disso estou livre.
- Então amanhã às 14:30, na minha casa, ok?
- Ok.
Ele sai e eu fico que nem besta encarando a porta por onde ele saiu. Sinto uma felicidade estranha no meu peito, algo que não sinto a há muito tempo, desde que um vazio me preencheu. Recolho minhas coisas com um sorriso bobo e vou até a arquibancada, já que minha próxima aula é livre.
Ao chegar presto atenção se não há nenhum dos meus amigos por perto. Me sento e pego um caderno. Nenhum dos meus amigos sabe, mas eu desenho. Gosto de criar vida no papel com um lápis, mas tenho medo do julgamento dos meus amigos em relação a isso. Começo com traços delicados, dando vida a mais uma pessoa da minha mente. Quando termino, observo que, dessa vez, desenhei uma pessoa real: desenhei o Nicolas. Só há uma diferença. Ele está sorrindo.

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